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"Brasília, 08/05/2006 Segue a
íntegra da proposta apresentada pelo medalha Rui Barbosa da Ordem dos Advogados do Brasil
e jurista Fábio Konder Comparato na sessão plenária do Conselho Federal da OAB que
discute o eventual apoio da entidade ao pedido de impeachment do presidente Luiz Inácio
Lula da Silva. A proposta foi lida por Comparato logo após a leitura do voto do relator
da matéria na OAB, o conselheiro federal Sergio Ferraz:
"O sistema de democracia exclusivamente
representativa tem se revelado entre nós, ao longo de quase dois séculos de vida
independente, um roto véu, que mal encobre a nudez crua da realidade oligárquica. As
minorias dirigentes apossam-se dos cargos representativos como simples objeto de sua
propriedade pessoal, transformando a sua eleição num mandato em causa própria. Os
representados permanecem invariavelmente na posição de meros espectadores da cena
política, sem direito de intervir durante a apresentação do espetáculo.
É este, em sua essência, para usarmos uma vez
mais da expressão cunhada por Sérgio Buarque de Holanda, o "lamentável
mal-entendido" da nossa democracia. Foi contra essa fraude permanente e colossal, que
a OAB lançou, sob a liderança do atual Presidente deste Conselho, a Campanha Nacional em
Defesa da República e da Democracia, em 15 de novembro de 2004.
No atual sistema político, o processo dos crimes
de responsabilidade tem sido pervertido à condição de simples de ajuste de contas no
seio da oligarquia política. A grande exceção que tivemos nesse particular o
processo de destituição do ex-presidente da República Fernando Collor de Mello
ocorreu justamente quando o povo logrou romper as barreiras oligárquicas e impôs a sua
vontade soberana ao Congresso Nacional.
Não raramente, os partidos de oposição ao
Presidente da República preferem, em lugar de oferecer diretamente a denúncia, aguardar
que alguém de fora do meio político o faça, não para destituir de seu cargo o acusado,
mas antes para enfraquecê-lo politicamente, em vista do próximo pleito eleitoral.
Foi o que sucedeu em maio de 2001, quando o
eminente detentor da Medalha Rui Barbosa, professor Paulo Bonavides, juntamente com os
professores Celso Antonio Bandeira de Melo, Goffredo da Silva Telles Júnior, Dalmo de
Abreu Dallari e eu próprio, apresentamos à Câmara dos Deputados uma denúncia contra o
então Presidente Fernando Henrique Cardoso, pela prática do crime definido no art. 6º,
segunda alínea, da Lei nº 1.079, de 1950, isto é, suborno de parlamentares. Como se
vê, fato idêntico àquele que tem sido amplamente veiculado e debatido no presente.
A denúncia foi liminarmente rejeitada pelo
então Presidente da Câmara dos Deputados, Aécio Neves. Os denunciantes recorreram ao
plenário da Câmara, nos termos do seu Regimento Interno. O Presidente da Casa, porém,
deixou durante seis meses de despachar o recurso. Os recorrentes resolveram então
notificá-lo judicialmente, e tampouco com isso obtiveram sucesso. Decidiram, por fim,
representar ao Ministério Público, lembrando que a recusa de cumprimento de ato de
ofício configura, senão o crime de prevaricação, pelo menos um ato de improbidade
administrativa. Somente aí o recurso foi despachado e o assunto deferido à decisão do
plenário da Câmara. Verificou-se então que a principal força de oposição, o Partido
dos Trabalhadores, aliou-se às forças da situação, a fim de impedir que o recurso
fosse levado à votação.
O mesmo cenário se reproduz na atual conjuntura
política. O bloco parlamentar de oposição ao Presidente da República no Congresso
Nacional não tomou nem tomará a iniciativa de apresentar uma denúncia por crime de
responsabilidade contra o Chefe de Estado, tendo em vista o pouco tempo restante para a
realização da eleição presidencial menos de cinco meses.
Ao invés de agirem diretamente, os integrantes
da oposição preferem ver o Presidente da República denunciado por pessoas não
inscritas em partido político, ou por representantes de entidades de prestígio, como a
OAB. Fernando Henrique Cardoso, aliás, declarou publicamente que o objetivo do seu
partido não é destituir o Chefe de Estado, mas "sangrá-lo", para que ele se
apresente enfraquecido nas eleições de 1º de outubro próximo.
Seria, portanto, lamentável que a OAB se
prestasse, nesse episódio, a fazer o triste papel de joguete da luta política
partidária. Tanto mais que, para usarmos do estilo eufemístico, o prestígio das
instituições políticas não se acha, aos olhos do povo, em nível particularmente
elevado. Uma pesquisa realizada pelo IBOPE em agosto do ano passado registrou que 80% dos
cidadãos brasileiros não confiam no Senado Federal, 85% não confiam na Câmara dos
Deputados, 90% não confiam em partido político algum e 92% recusam-se a confiar em todo
e qualquer político.
Por todo o exposto, proponho que o Conselho
Federal:
1) rejeite a proposta de impeachment do
Presidente da República;
2) aprove uma moção de apoio ao
Procurador-Geral da República, pela sua iniciativa em denunciar criminalmente 40 pessoas
envolvidas nos fatos objeto das Comissões Parlamentares de Inquérito abertas no
Congresso Nacional em 2005, instando Sua Excelência a ampliar e aprofundar as
investigações, inclusive no nível da presidência da República.
3) determine que a Diretoria do Conselho
manifeste pessoalmente, aos Presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, o
empenho da OAB em ver rapidamente discutidos e votados os projetos de lei e as propostas
de emenda constitucional que a Ordem apresentou, no quadro da Campanha Nacional em Defesa
da República e da Democracia, notadamente a introdução, em nosso sistema político, do
instituto da revogação popular de mandatos eletivos.
Brasília, 8 de maio de 2006
Fábio Konder Comparato"
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