"Seria possível falar de uma filosofia brasileira?
Como o senhor vê as relações entre a filosofia e a cultura brasileira?
Elas não estão muito boas, e resolvem-se muitas vezes em termos de
ironia, como diria o meu amigo [ Roberto ] Schwarz. Gostaria que houvesse, de um lado,
maior intercâmbio com a política e as ciências sociais, e, de outro lado, com a
crítica literária. Mas não vejo isso no Brasil, porque a cultura filosófica é também
meio rara entre nós. Mas há uma atividade filosófica muito intensa no Brasil. (....)
A atividade filosófica, entretanto, está bastante diversificada, e
todas as orientações estão mais ou menos representadas. Eu só implico um pouco com a
filosofia analítica, nós não nos damos muito bem [risos]. Mas essa implicância está
ligada àquele problema do objeto, é apenas uma outra versão: reduz-se tudo, a começar
pela linguagem, a objeto. Com isso, não se vai muito longe, pois não é uma
possibilidade de criação do pensamento. Não posso passar a minha vida inteira dando
aula sobre Descartes. E hoje fazem isso: é Descartes, Espinosa e mais um ou outro que
absorvem as preocupações dos analíticos. E eles fazem o que? Fazem atividades
policiadas. Há muito policialismo nessas filosofias da linguagem, e há uma obsessão
excessiva pelo método. Uma coisa a que nunca dei muita importância foi o método. O
método tem de ser inventado na hora, pois, dependendo do que se está pensando, tem de se
inventar a metodologia. Mas não é possível partir de um método a priori,
estabelecido como camisa de força, para prender tudo lá dentro. Aliás, isso é uma
característica do século XX.
(....)" (In: CONVERSAS COM FILÓSOFOS BRASILEIROS, São
Paulo: Editora 34 - editora34@uol.com.br
- 2000, p. 54/5)