"§2º OS INSTRUMENTOS DA ELISÃO FISCAL INTERNACIONAL
Os instrumentos da elisão fiscal internacional são os meios de que o
sujeito se utiliza para atingir os resultados em vista, podendo classificar-se tendo em
vista os pressupostos da figura. Os instrumentos relativos ao ordenamento mais favorável
são facultados pelos territórios de fiscalidade privilegiada, paraísos fiscais (tax
havens) ou oásis fiscais (Steueroasen); os instrumentos relativos à escolha
do ordenamento aplicável são os atos jurídicos de cuja prática, isolada ou em
conjunto com outro ou outros (operações) resulta a fixação ou
localização do elemento de conexão em certo território, tais como a celebração de
contratos em que se estipulem preços de transferência, a constituição de
sociedades-base, etc. Pela sua relevância, dedicaremos especial atenção aos tipos
societários mais freqüentemente utilizados na prática internacional.
A) Os paraísos fiscais
Os ordenamentos fiscais que isentam certos fatos que deveriam
normalmente tributar, de harmonia com os princípios gerais comumente aceitos,
ou os tributam a alíquota anormalmente baixa - via de regra para atrair
capitais estrangeiros - são considerados refúgios, oásis ou paraísos fiscais. A
qualificação de refúgio fiscal pode hoje atribuir-se a um número ainda vasto de
países e territórios: as Ilhas Anglo-Normandas (Jersey, Guernsey, Man), Gibraltar, o
Luxemburgo, Liechtenstein, Suíça, Mônaco, as Antilhas Holandesas, Bermudas, Ilhas
Cayman, Ilhas Virgens Britânicas (BVI), Panamá, Bahamas, Hong-Kong, Libéria, Novas
Hébridas, Nauru, Turks and Caïks, Uruguai, Chipre, Malta.
Estes territórios de regime fiscal privilegiado (como lhes
prefere chamar a administração fiscal francesa) têm como característica comum a não
incidência de imposto de renda sobre pessoas jurídicas cujo capital seja detido por não
residentes e exerçam exclusivamente a sua atividade fora do território em questão,
também não incidindo via de regra imposto de renda na fonte sobre os dividendos
distribuídos aos seus sócios. São as vulgarmente chamadas sociedades off-shore,
de que são exemplos as exempt companies de Jersey e Guernsay, as sociedades das
Ilhas Virgens Britânicas (BVI), as exempt companies de Aruba (Antilhas
Holandesas), as SAFI do Uruguai.
Todos estes territórios têm ainda, de comum, legislação societária
e financeira flexível, liberdade cambial absoluta, além de eficiente sistema de
comunicações e estabilidade política e social.
Mas, como alguém já afirmou, todos os Estados são, de certo modo,
paraísos fiscais, no que tange a setores ou vantagens específicas que oferecem:
recorre-se ao Panamá e à Libéria para o desenvolvimento da marinha mercante; ao
Luxemburgo e à Holanda, em razão do regime especialmente favorável das sociedades
holding e da colocação de empréstimos externos; ao Liechtenstein, pelas vantagens
que oferecem as suas sociedades, fundações e Anstalten à organização das
fortunas privadas; à Suíça, pelos níveis moderados de tributação e pelo segredo
bancário; ao Uruguai pela liberdade cambial irrestrita, abrangendo moedas
inconversíveis, como o cruzeiro. Mas o certo é que os Estados Unidos, país de elevado
nível de tributação, oferecem também a vantagem específica de não tributar os juros
pagos aos residentes no exterior, que detêm depósitos bancários, encorajando assim a
permanência desses fundos na sua economia.
Refira-se que, em certos países de tributação normal, há zonas do
seu território sujeitas a um regime fiscal privilegiado: é o que sucede com os
centros de coordenação na Bélgica; com o International Financial
Services Centre de Dublin, na Irlanda; com o centro financeiro internacional de
Trieste, na Itália; com o centro internacional de negócios ou Zona Franca da Ilha da
Madeira, em Portugal. Muitas destas áreas têm sido admitidas pela Comissão da
Comunidade Européia como compatíveis com a política de concorrência, visando
temporariamente objetivos de desenvolvimento regional.
As vantagens proporcionadas pelos territórios de regime fiscal
privilegiado multiplicam-se quando se encontram (excepcionalmente) abrangidos por
convenções contra a dupla tributação: é o caso de Malta, de Chipre, das Antilhas
Holandesas (tratado de dupla tributação com a Holanda) e da Ilha da Madeira (abrangida
pelos tratados de dupla tributação assinados por Portugal). Pode, assim, cumular-se o
benefício da isenção de imposto de renda sobre o lucro das sociedades e o lucro
distribuído aos sócios, com o benefício da redução das alíquotas quanto aos
rendimentos que lhes forem pagos por residentes em países signatários dos tratados em
causa.
Refira-se que as administrações fiscais de vários países elaboram
listas de paraísos fiscais para efeitos de controlar a aplicação das regras do seu
direito interno relativas a operações com territórios de regime fiscal privilegiado: é
por exemplo o caso da França, do Japão e da Alemanha.
B) Estruturas e tipos societários
Examinamos agora os tipos e estruturas societárias proporcionados
pela generalidade dos territórios de regime fiscal privilegiado e de que os particulares
se socorrem como instrumento de planejamento fiscal internacional.
a) Sociedades-base
Comecemos pelas sociedades-base, conceito que pressupõe os
seguintes requisitos: trata-se de sociedades estrangeiras, ou seja, instaladas em país
diverso do da sociedade-mãe; o país de domicílio é um país de tributação inferior;
são controladas por pessoas físicas ou jurídicas domiciliadas noutro país; e exercem a
sua atividade operacional num terceiro país.
A instituição das sociedades-base assenta no desdobramento de
uma mesma atividade, ciclo ou processo produtivo por diversos territórios sujeitos a
ordenamentos tributários distintos (dos quais uns mais favoráveis ao contribuinte), de
tal sorte que a tributação global do conjunto será inferior à que resultaria se a
mesma atividade se desenvolvesse integralmente dentro das fronteiras de um só Estado.
Esse desdobramento pode efetuar-se através da criação de simples filiais (branches),
ou por intermédio de subsidiárias dotadas de personalidade jurídica própria.
Essas sociedades (sociedades-base) ou desenvolvem um aspecto parcial do
processo produtivo global - subjetivando uma parte do fato tributário complexo -, ou
centralizam os resultados obtidos por outra ou outras pertencentes ao mesmo grupo. Tais
atividades parciais podem ser parte do processo de fabricação (sociedades de montagem
nas Bahamas e Ilhas do Canal), a comercialização de produtos, a prestação de
serviços, o controle de marcas e patentes, a emissão de empréstimos (Luxemburgo), o
seguro das empresas do grupo (captive offshore insurance company), ou o transporte
marítimo (sociedades de navegação da Libéria ou das Bermudas).
Costuma distinguir-se as sociedades-base típicas das atípicas. As
primeiras são aquelas cujo domicílio se fixa em país de baixa tributação, diverso dos
países onde se encontram domiciliadas a sociedade-mãe e a sociedade operadora. As
segundas são aquelas cuja empresa operadora funciona no Estado da sociedade-mãe a que
pertence.
A tributação mais moderada no país de instalação, por vezes aliada
à dedutibilidade das despesas pagas a tais sociedades (a título de juro, frete,
remuneração de serviço) ou à tributação mais suave dos lucros a elas atribuídos
(como é o caso das collapsible corporations, que acumulam receitas a título de
juros, aluguéis, lucros, durante vários anos, e depois se extinguem, sendo os seus
acionistas taxados à alíquota mais moderada que grava os ganhos de capital), permite a
obtenção de fortes economias de imposto.
b) sociedades holding
Merecem referência especial as sociedades holding, ou seja,
sociedades que têm por objeto exclusivo (holding puras) ou não (holdings
mistas), a sua participação no capital de outras sociedades. Precisamente por
reconhecerem a existência de um fenômeno de dupla tributação econômica do mesmo
lucro, quando auferido por uma sociedade operacional e quando posteriormente distribuído
aos seus sócios - fenômeno que se agrava quando entre a sociedade e o beneficiário
final se interpõem uma ou mais holdings -, diversas legislações consideram a holding
fiscalmente transparente, isentando o lucro por elas auferido através da distribuição
dos dividendos pelas sociedades em cujo capital participam. É a esta isenção dos lucros
típicos da holding que se referem as expressões privilégio de holding
(holding privileg) ou privilégio de afiliação (Schachtelprivileg).
Alguns países europeus concedem um regime especialmente favorável às
holdings. No Luxemburgo, em virtude de uma lei de 1929, as sociedades holding
estão isentas de imposto sobre o lucro decorrente de dividendos recebidos das sociedades
em cujo capital participam, de imposto sobre ganhos de capital na alienação das
participações e de imposto retido na fonte sobre dividendos distribuídos aos seus
sócios. Todavia, tendo em vista a benevolência deste regime, numerosos países (entre os
quais o Brasil) têm recusado abranger tais holdings (chamadas holdings 1929)
no campo de aplicação dos tratados contra a dupla tributação por eles celebrados com o
Luxemburgo. Por esta razão (e para se conformar com as diretrizes da Comunidade Européia
em matéria de retenções na fonte), este país adotou um novo regime para as sociedades
de participações financeiras (SOPARFI) que faz depender o regime isencional de
certos requisitos, como a participação no capital da sociedade investida não ser
inferior a 10% do seu capital e esta participação ser detida por um período mínimo de
12 meses contados da data do encerramento do balanço.
Na Holanda, vigora também uma isenção do imposto de renda para as
sociedades que detenham participações substanciais (no mínimo 25% do capital e
não revistam a natureza de ativo circulante). A isenção abrange o lucro da sociedade
proveniente de dividendos, bem como as mais valias na alienação dos investimentos, mas
não assim o imposto de renda na fonte sobre lucros distribuídos aos sócios residentes
no exterior.
c) Sociedades de serviços
Dentro das sociedades de serviços, merecem menção especial as sociedades
de faturação - que intervêm na venda ou compra de produtos por conta da
sociedade-mãe, não raro manipulando os preços com vista a transferir lucros para
territórios de fiscalidade privilegiada; e ainda as sociedades de artistas (rent-a-star
company) utilizadas por titulares de rendimentos não comerciais (artistas,
desportistas, escritores), tendo por objeto deslocar a receita proveniente da atividade de
prestação de serviços para países de baixa fiscalidade, evitando a sua transferência
para o país de residência.
Uma figura jurídica freqüentemente utilizada como instrumento de
planejamento fiscal é o Anstalt previsto pela legislação do Liechtenstein e que
- embora dotado de personalidade jurídica - não é uma sociedade, antes se aparenta ao trust
do direito anglo-saxão. O Anstalt é constituído por um fundador (cuja
identidade não é revelada, garantindo-se o pleno anonimato), o qual designa os beneficiários
do capital ou do rendimento, que tanto pode ser ele próprio ou terceiros. Além da
isenção do imposto sobre o rendimento, o mecanismo de designação de beneficiários
pode ser utilizado para elidir as regras das leis civis que estabelecem ordens de
precedência sucessória."
(In: DIREITO TRIBUTÁRIO INTERNACIONAL DO BRASIL - TRIBUTAÇÃO DAS
OPERAÇÕES INTERNACIONAIS, 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 238-245)