"P Qual a avaliação do senhor
quanto à aprovação dos dois primeiros blocos de propostas relativas à reforma
política, propostas essas que serão encaminhadas ao Congresso Nacional?
R A avaliação é muito positiva, pois se
trata de superar o debate que já virou lugar comum, sobre simples reforma do sistema
eleitoral ou de aperfeiçoamento do sistema partidário. Na verdade, no primeiro bloco,
insistimos muito em transformar o povo de soberano simbólico em soberano efetivo e,
portanto, dar ao povo instrumentos para que ele decida as grandes questões nacionais e
também as locais, pois não é possível construir uma sociedade sem povo. Para isso, o
Conselho Federal da OAB insistiu no sentido de que haja a aprovação de um dos dois
projetos de lei apresentados pela OAB sobre plebiscito, referendo e iniciativa popular.
Também reafirmou seu empenho em ver aprovada pelo Senado Federal a Proposta de Emenda
Constitucional instituindo a revogação popular de mandatos eletivos, o que vulgarmente
se chama de "recall".
P Entre as propostas aprovadas no segundo
bloco, para qual o senhor chama mais a atenção?
R Além do "recall", temos
também a questão do financiamento de campanhas eleitorais. Era nossa proposta, e o
Conselho Federal da OAB aprovou, o uso de um sistema semelhante ao francês, que
estabelece o máximo de gastos, o máximo de despesas por candidato para as eleições.
Para os candidatos mais pobres, haveria um reembolso de parte dessas despesas, desde que o
candidato tenha um mínimo de votos, evidentemente. O objetivo é tentar diminuir a
influência do poder econômico no resultado das eleições.
P O Fórum coordenado pelo senhor aprovou uma série de outras propostas que
fizeram parte de um terceiro bloco, mas para as quais ainda não há consenso, daí a
necessidade de uma discussão maior em torno delas. O que o senhor espera com relação a
esse último conjunto de propostas?
R Espero que essas propostas sejam votadas
na próxima reunião do Conselho Federal da OAB. Na verdade, é o fundamental. Quero
reafirmar com muita tristeza que esse país está se afundando. Quando cheguei à
adolescência, nos idos de 1950, iniciamos um processo de 30 anos de crescimento
econômico mais elevado do mundo. De 1980 para cá, nosso crescimento está, segundo dados
do Fundo Monetário Internacional, 17 pontos percentuais abaixo da média mundial. Não se
trata de um crescimento econômico inferior aos países de maior crescimento, mas da
média mundial. Ou seja, o Brasil, que durante vinte anos liderou o crescimento econômico
no mundo, hoje está na rabeira. Neste ano de 2006, um único país da na América Latina
apresentou crescimento econômico inferior ao brasileiro: o Haiti, convulsionado pela
guerra civil. Ninguém se dá conta disso nesse meio político fechado, que fica
discutindo seus negócios particulares e debatendo distribuição de Ministérios, com o
presidente da República envolvido nisso.
P Foi por essa razão que o Fórum propôs algumas medidas consideradas polêmicas?
Quais são elas?
R Sim. A primeira é a introdução na organização do Estado brasileiro de um
órgão de Planejamento independente e com a participação efetiva de setores importantes
da sociedade civil, como empresários, trabalhadores, os conselhos populares e os grupos
socialmente vulneráveis. Em segundo lugar, propomos a separação das funções de chefia
de Estado e chefia de governo. O chefe de Estado deve ser o garante do desenvolvimento
nacional, tem de se ocupar das grandes questões nacionais e não, como acontece hoje,
passar a maior parte do seu tempo discutindo com os partidos políticos quais são as
benesses que vai distribuir em troca de cargos. Isso é um escárnio!
P Para que ninguém pense que essa
discussão nada tem nada a ver com a advocacia, o senhor ressaltou que uma das classes que
mais tem saído afetada com todos os problemas envolvendo a crise no governo é a classe
média, que é quem mais contrata advogados. Então, que recado o senhor dá à advocacia
sobre a importância dessa reforma?
R Estamos todos no mesmo barco e todos com
enjôo. Os advogados não podem se salvar se Brasil for à ruína. Eles têm que ter
noção de que qualquer profissão, notadamente a nossa, vive da pujança do país e não
de sua ruína. É por isso que nós temos que cuidar da reforma política, sermos
solidários. Essa idéia mesquinha, de cada um cuidar de seus interesses porque não tem
poderes para mudar a situação política, é infernal. Esse pensamento nos leva à ruína
comum. Eu lembrei na reunião do Conselho que, nos últimos três anos, a renda média das
chamadas classes médias caiu 46%, o que é uma catástrofe, uma verdadeira hecatombe.
Então nós teremos, de um lado, assistência judiciária e, de outro lado, as grandes
empresas de advocacia que não são de advogados, mas de empresários que vão cuidar das
potências econômicas nacionais e internacionais.