"A questão da advocacia pro bono
a advocacia gratuita desafia há tempos nossos analistas. É tema sempre
atual, sobretudo num país como o nosso, em que a maioria da população não tem acesso
à Justiça.
A muitos, à primeira vista, parece simples, mas,
num exame mais acurado e a OAB e a advocacia brasileira há tempos o vem fazendo
, apresenta algumas complexidades. Daí a polêmica em torno dele.
A começar pela legislação. A Constituição
Federal, em seu artigo 5º, inciso LXXIV, estabelece que compete ao Estado prestar
assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos.
Há, pois, um aparente monopólio estatal dessa atividade, muito embora saibamos que o
Estado brasileiro esteja longe de suprir as demandas sempre crescentes da sociedade.
A própria OAB, em diversas de suas seccionais,
presta atendimento gratuito à população carente. Mas a missão constitucional de
fazê-lo cabe às Defensorias Públicas, que precisam ser ampliadas e melhor
instrumentalizadas para o cumprimento dessa missão.
Dispor de assistência jurídica é questão
básica da cidadania. Por essa razão, é tema que nos diz respeito a nós, OAB. No
Brasil, a preocupação com essa questão é antiga. Breve análise histórica da
advocacia brasileira demonstra, desde os seus primórdios, a existência de considerável
parcela de voluntariado e gratuidade na sua prestação jurisdicional.
Nossa advocacia, mais que a de muitos países,
envolve-se efetivamente com essa causa, e em relação a ela já acumula maior quantidade
de massa crítica.
Tudo isso está em consonância com o juramento
do advogado, que nos compromete não apenas com a defesa da Constituição e da ordem
jurídica do Estado democrático de Direito, mas também com os direitos humanos, a
justiça social e a rápida administração da justiça.
Da mesma forma, o Estatuto da OAB, em seu artigo
2º, parágrafo 1º, respalda a advocacia pro bono, ao estabelecer que (abre aspas)
"no seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função
social" (fecha aspas).
Advocacia pro bono, em essência, é isto:
serviço social. Designa também o crescente desenvolvimento de trabalhos voluntários e
gratuitos, no Brasil e no exterior, integrantes do chamado terceiro setor as
chamadas ONGs, organizações não-governamentais.
Empresas e profissionais liberais, das mais
diferentes áreas, organizam mutirões em prol da assistência social aos menos
favorecidos, disponibilizando gratuitamente tempo e conhecimento técnico. A nomenclatura
varia: advocacia pro bono, advocacia dativa, advocacia social.
Há uma corrente de advogados que sustenta não
ser necessário regulamentar a matéria. Argumenta que é preciso apenas que se cuide para
que não se transforme em expediente para angariar clientes ou que não venha a ser
pretexto para requerer regalias tributárias. Outra corrente contra-argumenta, alegando
que já aí se faz necessária uma regulamentação. E cita casos que evidenciam a
possibilidade de distorções na matéria.
Por exemplo: um grande escritório de advocacia
coloca estagiários para exercer a pro bono e, com isso, busca obter junto ao Estado
isenção de impostos e ampliar seus ganhos. Seria, claro, uma grave distorção do
fundamento altruísta da advocacia pro bono. Há outras possibilidades.
Outro exemplo: seria eticamente aceitável usar a
advocacia pro bono como instrumento de promoção publicitária pessoal e profissional do
advogado?; E se for, pode o advogado pro bono cobrar honorários
advocatícios em uma causa economicamente rentável que tenha vindo ao seu conhecimento
por via do exercício da sua advocacia desinteressada?
Daí a complexidade da matéria, que mencionei no
início. Daí a necessidade de melhor estudá-la.
O Tribunal de Ética e Disciplina da
OAB-SP, que estudou a matéria, diz que não é recomendável a fusão do assistencialismo
social com a prestação de serviços jurídicos gratuitos, não importando a forma que se
dê a ela. Diz que, apesar das boas intenções, tais iniciativas e procedimentos
tendem a se institucionalizar, banalizando, massificando, dotando a advocacia de
superficialismo, violando, assim, os princípios norteadores da profissão e
merecendo análise, caso a caso, por parte desse Tribunal, até que haja normatização em
face do artigo 39 do Código de Ética e Disciplina.
O que se constata é que, enquanto o
assistencialismo jurídico, entre nós, era informal, não gerava preocupações. Hoje,
porém, com a crescente tendência de institucionalização e o surgimento de entidades
voltadas exclusivamente para sua prática, há cuidados com eventuais distorções.
E é isso que a OAB examina. E é por essa
razão, que determinei a criação de grupo especial de trabalho, visando ao estudo da
regulamentação da atividade, buscando concatenar a institucionalização do
assistencialismo com os ditames legais regentes de nossa profissão.
No entanto, é importante afirmar que no Brasil
não há limitação para que o advogado preste assistência pro bono. É, aliás,
inerente ao viés público da advocacia brasileira o exercício, de forma ilimitada, de
forma gratuita, da defesa do necessitado.
Porém, em primeira instância, e por força de
norma constitucional, cabe ao Estado prestar assistência ao hipo-suficiente, o que é
prestado de forma absolutamente precária em todo o território nacional, o que aprofunda
a desigualdade social no Brasil.
E é esse o debate que está posto e que aqui,
neste painel de debates, aprofundaremos. É tema de grande relevância para a advocacia e
para a cidadania brasileiras e estou certo de que a participação dos senhores
trará luzes a essa importante questão."
(Fonte: www.oab.org.br
negrito meu)