Home Page
Após assistir ao
programa RODA VIVA, com a TRANSPARÊNCIA BRASIL, este sartrianamente
angustiado Cidadão já estava quase dormindo - e livremente sonhando com Você Transparente
Cidadania - quando um cinematográfico fenômeno aconteceu!
Após os Contos
da Meia Noite um outro amigo da Sophia apareceu na TV Cultura, agora para falar sobre o
pensamento de SARTRE.
Claro que este
franco e preguiçoso Cidadão preferiu deixar a TV no stand-by a sonhar com Você
Transparente Cidadania que, se eventualmente gostou, gosta ou gostará do tema pode
aproveitar as anotações de aula que este Candidato à Filósofo fez lá no Departamento
Francês de Ultramar da UNIVERSIDADE
DE SÃO PAULO - www.fflch.usp.br - após ouvir as respostas daquele amigo
da Sophia às perguntas deste Cidadão e demais colegas Uspianos(as).
Filosoficamente,
Carlos Perin
Filho
Nº USP 533954
-------------------------------------------------------
HISTÓRIA DA
FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA I
1º semestre de
2004
FLF0248
- Professor: FRANKLIN LEOPOLDO E
SILVA
I - Objetivos: Trata-se de reunir
alguns elementos que permitam compreender a abordagem sartriana do método como
questão. Sendo o homem o ser para quem o seu próprio ser está sempre em questão,
como enunciado em "O Ser e o Nada", o conhecimento histórico-antropológico
não pode ocorrer como um sistema de resoluções, mas sim como conduta metódica
interrogativa. A leitura de "Questão de Método" deverá mostrar que a
inteligibilidade dialética é a única forma de conhecimento compatível com a
compreensão interrogante das relações entre indivíduo e história, ou do processo em
que convergem a singularização da subjetividade e as determinações das condições
objetivas.
II - Conteúdo
Conhecimento
histórico em SARTRE: processo e interrogação (leitura de Questão de Método)
1) Verdade e Existência
como eixos de uma antropologia histórica: a compreensão da conduta humana como
significação sintética.
2)
Representação da realidade humana: o caráter abstrato do objetivismo científico e o
risco de um marxismo analítico.
3) Ontologia e Antropologia:
representação da condição humana como interrogação da práxis.
4) Liberdade histórica e escassez:
a contingência como adversidade.
5) A compreensão dialética das mediações:
individualidade, singularidade e totalização.
6) História, liberdade e
facticidade: o agente histórico como universal concreto.
---------------------------------------------------
Aula: 10/03/2004
JEAN-PAUL SARTRE (1905-1980)
Em um quadro
esquemático de primeira aproximação, a Questão de Método é uma parte do
pensamento de SARTRE expresso na Crítica da Razão Dialética. Já no seminário O
existencialismo é um humanismo, a História é posta em questão, sendo a dialética
um problema constante, dado seu caráter processual, não uma solução.
Enquanto eixos de
uma antropologia histórica, a verdade e existência são componentes de uma subjetividade
instauradora que se questiona, pois o ser humano é uma questão para si mesmo. Este
referencial teórico e crítico em relação ao ser humano impõe um paradoxo, pois o
limite do entendimento é obstado pela questão, que se refaz continuamente. A existência
é um processo em aberto, em permanente questão sobre si. Assim, o processo não se
resolve historicamente, mas se refaz de tempo em tempo (Crítica da Razão Dialética).
Ao afirmar ser o
existencialismo um Humanismo, SARTRE posiciona sua Filosofia sob um aspecto
antropológico: a tematização das condutas. Tais condutas podem ser,
metodicamente, estudadas (Questão de Método).
A primeira
conduta é a interrogante, e consiste na reflexão sobre relações de causas e
conseqüências. A partir da afirmações como de SÓCRATES ("Só sei que nada
sei"), e de ARISTÓTELES ("Todo homem deseja naturalmente saber") SARTRE
faz uma interpretação que as considera básicas para a conduta que interroga, questionando
inclusive o próprio método, ou seja, questiona se e enquanto a verdadeira prática
do método dialético é suficiente para conhecer. Assim, a Crítica da Razão
Dialética procura saber a) O que é a Dialética? e b) Existe uma
racionalidade dialética?
A continuidade da
interrogação não é, para SARTRE, algo negativo que signifique ignorar, mas sim algo
positivo, pois sabe-se que algo é desconhecido, em processo aberto e dialético. Assim, o
Marxismo é, com base na dialética, muito importante para a compreensão da História.
O conhecimento
dialético então obtido não é geral, mas sim singular, subjetivo, em oposição à
totalidade do conhecimento do espírito objetivo de HEGEL.
O sujeito -
enquanto síntese, singular e significativa - é o agente histórico que cria valores
livremente, dentro das condicionantes gerais do universal concreto, em dialética
inteligibilidade.
Tanto a
singularidade individual como a totalidade coletiva devem ser estudadas enquanto processo,
mas não sendo dadas de modo acabado ou pronto. Do caráter processual da interrogação
individual/coletiva é possível a inteligibilidade dialética do universal concreto.
Representação da
realidade humana:
o caráter
abstrato do objetivismo científico e o risco de um marxismo analítico
Em um quadro
comparativo, o universo de discurso de SARTRE dialoga a tradição clássica aristotélica
(estática, fechada) frente ao novo paradigma marxista (dinâmico, aberto) de HEGEL e
MARX, resultando em um processo de conhecimento da verdade e da existência. O indivíduo
continua sendo um, porém não mais "coisa pensante" ou res cogitans
cartesiana, mas sim resultado de um processo, que o condiciona de modos diversos. Nesse
quadro processual, SARTRE critica as Ciências Humanas, ao conceberem-se com base nas
ciências naturais (fisicalismo), desde KANT em diante, produzindo uma objetividade
abstrata, e um marxismo analítico, mecânico, determinista.
Ontologia e
Antropologia:
representação da
condição humana como interrogação da práxis.
SARTRE busca, na
Ontologia (estudo do Ser, enquanto Psicologia) e na Antropologia, métodos adequados para
superar o fisicalismo, obtendo a representação da condição humana como interrogação
da práxis.
Liberdade
histórica e escassez: a contingência como adversidade.
A liberdade
existencialista é originária, porém acontece na História, condicionada. A liberdade
não é determinada pela História, mas sim tem um espaço de tensão para escolher suas
opções de existência. Já a existência é, em si mesma, contingente, dela restando a
liberdade da pergunta sobre as demais existências, pois o conhecimento que o sujeito tem
de si é tão opaco e precário quanto tem das demais pessoas.
A escassez
(sentido próximo ao da Economia) é um termo técnico no pensamento de SARTRE, resultante
da interação das necessidades infinitas dos seres-humanos e a finitude dos recursos
naturais. Tal conflito é transposto às relações humanas, resultando nos choques de
interesses, como a luta de classes sociais que são proprietárias dos meios de produção
com aquelas que vendem sua força de trabalho no mercado.
A compreensão
dialética das mediações:
individualidade,
singularidade e totalização.
A mediação
é fundamental para a inteligibilidade do real na dialética, em um processo crescente da
subjetiva individualidade singular até a totalização do real, sendo efetivada por
diversas instituições sociais, como a família, entre o sujeito e o Estado, etc..
História,
liberdade e facticidade:
o agente
histórico como universal concreto
A facticidade
é composta por fatos que condicionam a existência (classe social ao nascer, p. ex.),
sofrendo a atuação ou não da ação humana, conforme a significação que o sujeito
histórico lhe confere livremente, em universalidade concreta. História, liberdade e
facticidade estão, assim, ligados ao agente histórico como universal concreto, na sua
criação ou invenção de valores.
---------------------------------------------------------------------------------------
Aula: 24/03/2004
Seminário: O
Existencialismo é um Humanismo
Este Seminário -
"O Existencialismo é um Humanismo" - marca o início do que é conhecida como a
Nova Filosofia da História, procurando resgatar o existencialismo de uma
distorção em moda na época. Tal defesa existencialista é fundada em uma perspectiva
Ética ou Moral.
Vale notar que em
O Ser e o Nada a Ética ou Moral já era empregada para fundamentar a Ontologia,
baseada nas categorias de liberdade e valor enquanto constituintes éticas e
existenciais do sujeito.
As escolhas
livres, assim, são condições éticas da subjetividade, sendo esta o ponto de partida
ou, em outras palavras, "a existência precede a essência".
Condutas
são analisadas fenomenologicamente por SARTRE desde O Ser e o Nada para descrever
a subjetividade enquanto manifestação essencial da existência. Conduta existencial
é o modo de constituição do sujeito a partir de escolhas livres valoradas eticamente.
Nessa tarefa intelectual, considerações especiais sobre a liberdade, a ação e a
subjetividade são desenvolvidas, visando defender o existencialismo enquanto humanismo
(perspectiva ética ou moral).
O próprio
título "O Existencialismo é um Humanismo" já é uma resposta às críticas
feitas ao existencialismo, como sendo não humano, não civilizatório, não ético, etc.,
bem como um contraponto à obra Náusea, uma sartriana novela que ficou,
contraditoriamente, marcada publicamente como não humanista.
Nessa defesa
ética do humanismo, SARTRE se opõe ao solipsismo cartesiano (subjetivismo extremo), que
obstaria a ação e o processo histórico, ao reconhecer o ser apenas como uma res
cogitans, não um sujeito histórico que se auto-reconhece ao mesmo tempo que
reconhece suas condicionantes sociais e materiais (cogito existencialista). Esta é a
crítica do solipsismo extremado, também conhecido filosoficamente como o problema da
existência e reconhecimento das outras mentes.
Outra resposta
crítica de SARTRE é quanto às fontes geradoras das ações ou omissões humanas. Assim,
tanto das fontes transcendentes (religiosas ou niilistas), como as tradições ou o
conformismo são negadas pelo existencialismo sartriano como condicionantes do agir humano
livre. Isso porque o ser experimenta uma angústia simples, de modo desamparado e
livre para se projetar ao futuro, não limitado pelos valores já estabelecidos de modo
determinado ou mecânico pela História, nem sob o temor de penas ou condenações
místicas ou divinas. Mais uma vez é importante lembrar que a existência precede a
essência, ou seja, a subjetividade é o ponto comum que baseia o existencialismo
frente às críticas tanto religiosas quanto laicas.
DESCARTES, por
outro lado, parte da subjetividade e a conhece em sua essência, não sua existência,
logo a definição de SARTRE não é clara ao afirmar que a existência precede a
essência. Vale lembrar ainda que DESCARTES admite um Deus criador e/ou uma linguagem
mediadora e verificadora das outras mentes, o que não ocorre no pensamento de SARTRE, que
é explicitamente ateu.
Os exemplos dados
no seminário O Existencialismo é um Humanismo (instrumento de cortar papel, a
oposição entre criador e criatura, etc.) são apenas reveladores ou indícios do
argumento para sustentar que tanto o materialismo histórico quanto o existencialismo
cristão não são adequados para devida compreensão da História, pois resultam em um
mundo técnico, no qual a produção (regras de geração das essências) precede
a existência, mecanicamente.
SARTRE defende um
processo dialético e humano de produção da História, em oposição ao pensamento tanto
de HEGEL quanto de MARX, que privilegiam as condicionantes materiais para determinação
dos eventos históricos.
Assim, enquanto
para HEGEL a síntese histórica resulta necessariamente do choque entre teses e
antíteses, ou seja, a História é um absoluto que se auto-regula, para SARTRE o choque
entre teses e antíteses geram processos históricos que possibilitam a constituição dos
sujeitos históricos, que exteriorizam seus afetos e sentimentos em atos concretos,
também processualmente situados na História em constante andamento não necessário,
não mecânico, não determinado, e sim heurístico, aberto para novas valores criados por
novos sujeitos históricos livres. A condição humana aqui não é causal, mas sim
imanente à própria existência; também não é dada por um ser superior, divino,
diverso e anterior ao humano, mas pelo próprio humano, enquanto se conhece e conhece as
outras pessoas, tudo ao mesmo tempo processual.
Ainda, a
condição humana também é caracterizada por processual, no sentido dialético de
formação histórica do sujeito, que não está condicionado mecanicamente a ser isto ou
aquilo, mas sim livre para projetar-se como melhor valorar. Tal concepção também se
diferencia da de ARISTÓTELES, que separava ontologicamente a substância (o que a coisa
é nela mesma, a = a) dos acidentes (não constitutivos da identidade do ser, a´, a´´,
a *, etc.).
O sujeito
histórico é humanamente - ontologicamente - consciente da sua subjetividade, tendo a
liberdade para agir intencionalmente, ou omitir-se. Esta é a descrição ontológica da
liberdade frente ao seu exercício efetivo, bem como está expressa em "O homem está
condenado a ser livre". Condenado, pois ontologicamente constituído pela liberdade
de escolher e/ou criar valores (positivos ou negativos), em original transcendência.
Resta uma moral
radicalmente livre, pois a partir do nada o sujeito histórico, abandonado e
simplesmente angustiado, tem a responsabilidade de escolher e/ou criar valores universais
concretos, ou seja, ser.
Este é o drama
existencial do humano: sujeito finito, limitado, infinitamente livre para agir, para criar
valores. Tal drama não ocorre isolado, mas sim em intersubjetividade, em superação
ontológica, via reconhecimento das outras pessoas como sujeitos históricos, não
objetos. A fraternidade e o terror são exemplos de manifestações revolucionárias
daquela intersubjetividade, em existência dramática.
--------------------------------------------------------------------------
Aula: 31/03/2004
O conhecimento de
si em face do(a) outro(a) é o cogito intersubjetivo ou coletivo de SARTRE, em diferença
notável ao pensamento de DESCARTES e KANT, para os quais o cogito é individual, ou seja,
subjetivo, formado por conhecimentos de si em face de si.
A condição
humana é constituída por limites a priori que esboçam a situação humana no
universo, tanto por uma face objetiva (reconhecida), como por uma face subjetiva (vivida).
Do desamparo e a
partir da condição humana supra referida, cabe ao angustiado sujeito histórico criar -
livre e autenticamente - sua existência, com base em valores universais que se
concretizam na sua existência, como ocorre na criação de uma obra de arte.
O exercício da
liberdade é absoluto, pois o ser, ao escolher sua subjetividade, apenas se move dentro
das condicionantes históricas (em suas faces objetivas e subjetivas). Ao exercitar sua
liberdade, o sujeito histórico legisla para si e para outros, dado o caráter universal
da autonomia.
A
"intuição-de-si" é um processo, é uma condição humana, na qual o sujeito
se constitui (não uma "coisa pensante" cartesiana). Esta é a base da resposta
de SARTRE à crítica do existencialismo enquanto subjetivismo, pois ao constituir-se, o
sujeito não apenas se conhece, mas também se reconhece nas demais pessoas, ao
processualmente escolher valores universais (juízo ético).
O Ser,
enquanto substância pensante, é dotado de atributos (subjetividade, vontade, intelecto)
da liberdade, tendo o Nada como limite para sua então infinita liberdade. A
liberdade assim concebida é a própria consciência do Ser, enquanto existência
precedente à essência, sendo precária e opaca em sua origem, em paralelo ao que ocorre
com o cogito sartriano.
Em resposta às
críticas cristãs e marxistas ao Existencialismo, SARTRE qualifica de alienação tanto a
transcendência divina quanto o determinismo do materialismo histórico dogmático. Da
alienação resultam conflitos individuais e/ou coletivos, por força da separação que
ocorre entre a Teoria e a Prática, sejam elas teológicas ou dogmáticas materiais.
Dada a
contingência do mundo nenhuma escolha é necessária, são todas gratuitas, contingentes,
não cabendo ao sujeito histórico esperar resultados certos e precisos a partir de suas
escolhas (este é o desespero da ação, em resposta à crítica do quietismo). Nesse
contexto também está a ação por omissão (contemplação), enquanto livre escolha da
opção por não agir.
As esperanças,
as expectativas, não interferem nos fenômenos, pois não se domina a contingência do
mundo, apenas participa-se de um processo, um vir-a-ser, um de-ver moral, no qual a
intenção subjetiva é diversa da realidade objetiva, mix de compromisso com
contingência, em escolha constante e instantânea de uma imagem individual e coletiva, a
cada momento.
Referência
bibliográfica que trata do compromisso moral no contexto revolucionário moscovita é
(autor): ARTHUR KESTLER, (obra): Zero Absoluto
-------------------------------------------------------------------------------------------
Aula do dia
14.4.2004
Tema da aula:
A questão dos
limites (da finitude, da subjetividade)
como pontos de partida para a ação e a liberdade
A experiência do
sujeito histórico é que revela a finitude e a subjetividade, forçando suas fronteiras
para além, ao projetar-se para o futuro. Tal fenômeno ocorre em dois aspectos: um
positivo (ação) e outro negativo (negação).
O trabalho
é exatamente a ação ou omissão humana diante dos limites, em reconhecimento da sua
finitude e sua subjetividade. Este trabalho não envolve o subconsciente ou o inconsciente
de modo particular, e sim reconhece que há algo encoberto à própria consciência, ou
seja, é um trabalho consciente (de ação ou negação) sobre os limites.
Na obra Verdade
e Existência, SARTRE combina seus pensamentos expressos em O Ser e o Nada e O
Existencialismo é um Humanismo, para concluir ou obter uma verdade opaca, uma verdade
parcial, uma verdade adequada ao cogito cartesiano enquanto início de um processo, de
natureza intersubjetiva.
A totalidade
não é algo fechado em si, mas algo aberto em processo de totalização. Assim, a
totalidade é um desejo humano em processo, não se efetivando, quer de fato, quer de
direito.
O solipsismo (ou
o problema da existência das outras mentes) não se dá com o pensamento de SARTRE como a
probabilidade cartesiana, pois o conhecimento que cada sujeito tem de si próprio é
precário, opaco, em processo, ou seja, igual ao conhecimento das outras pessoas.
Em O Ser e o
Nada a liberdade é o projetar da consciência para fora do sujeito, ou seja, deixando
internamente a componente inconsciente ou subconsciente. Resta ao sujeito fazer algo com
aquilo que recebe do meio, pois... "O importante não é o que se faz do homem, mas o
que o homem faz com o que fizeram com ele".
Esta é uma das
razões da não aplicação do conceito de causalidade do mundo natural ao ser
humano, pois neste a relação não é causal, mas dialética, com múltiplas mediações
processuais.
O próprio
conhecimento, portanto, é limitado às condicionantes humanas, não quanto às
essências, pois estas estão em constante processo de auto-reconhecimento quanto aos seus
próprios limites, mas sim quanto às expressões objetivas das subjetividades individuais
do ser histórico.
Cada ser ou
sujeito histórico é absoluto ao agir, pois a escolha ou invenção de valores ocorre
livremente, a cada momento, mesmo quando tal escolha não ocorre de modo formalmente
pensado, ou seja, mesmo quando não se dá conta disso. Resulta então como verdadeira e
absoluta a consciência, bem como a humana condenação à liberdade.
Os conceitos de compromisso
e de engajamento são abordados por SARTRE na obra O que é a Literatura.
O exercício
contingente e absoluto da liberdade não é objetivado a resultados necessários, pois faz
parte da condição humana. Logo, é uma expressão desta condição, sendo a produção
de resultados contingente da intersubjetividade favorável ou desfavorável ao efeito
pretendido.
HEGEL, por outro
lado, admite a relação humana como sujeito versus objeto; senhor
versus escravo, enquanto dialéticas afirmações recíprocas.
O reconhecimento
é também diferente no pensamento sartriano e hegeliano. Para SARTRE o reconhecimento é
opaco, confuso, tanto para o sujeito histórico como deste para com as demais pessoas.
Para SARTRE o reconhecimento é dialético, em choque de opostos (sujeito X objeto; senhor
X escravo, etc.). A superação, para HEGEL, é a síntese da tese com a antítese; já
para SARTRE o processo continua em um "reino dos fins" kantiano, no qual
sujeitos reconhecem sujeitos. A gratuidade não é aquela escolha por escolher, dos
romances de GIDE, mas sim livre para criação de um determinado valor pelo sujeito
histórico.
----------------------------------------------------------------
Aula do dia
28.4.2004
Tema da aula:
Questão de
Método como prelúdio à Crítica da Razão Dialética
Em Questão
de Método são abordados temas relevantes para a crítica da razão dialética, como
por exemplo, o caráter histórico, processual e dinâmico das Filosofias,
pois cada cultura gera a sua Filosofia, conforme as condicionantes históricas de quem a
faz. Logo o ponto de partida para a Antropologia Filosófica é subjetiva, a partir de
quem a faz, em suas condicionantes (ex.: DESCARTES, com o cogito fundante da Filosofia
Moderna, lança ao espírito objetivo (HEGEL) suas idéias pessoais.
A idéia de
progresso (Positivismo) é afastada pela concepção histórica de SARTRE, ex vi da
diversidade dos elementos que a faz. A História, a Filosofia, a Literatura, etc.,
fornecem uma espécie de espelho para a sociedade refletir sua totalidade, unificada,
situada. Como exemplo, o povo helênico tinha suas tragédias, sua literatura, sua poesia,
enquanto os povos bárbaros tinham suas guerras.
O processo de
totalização, assim, é contingente, formando a cada momento uma imagem. Tal imagem não
é nem melhor nem pior da imagem que lhe é anterior, pois é diferente. A Política
também está, logicamente, neste contexto de totalização enquanto processo dialético
não conclusivo, em concomitante expressão omissiva e decadente das classes sociais em
declínio, frente à projeção ativa de novas classes sociais. A Filosofia quer
compreender a realidade de seu tempo (cosmovisão, saber, ciências especiais), em
processual crítica de totalização, pois segundo SARTRE "tudo que é real é
racional", não apenas no presente temporal, mas como infinito atual. O
"saber-de-si" é possível pelo "espírito absoluto", sobre não
apenas a experiência exterior, como também quanto ao sujeito histórico, dentro das
situações ou condições que lhe afetam.
KIERKEGAARD
(1815-1855) Filósofo e teólogo dinamarquês, geralmente considerado o primeiro
existencialista, procurou limitar o idealismo absoluto de HEGEL, com sua fenomenologia da
consciência infeliz (romantismo). Em sua romântica concepção filosófica, a vida
subjetiva não se transforma nunca em saber, não podendo gerar conceitos, apenas
recalques. A existência, assim, é irracional, em busca de si, em oposição ao sistema
hegeliano. A linguagem também muda neste processo, da romântica poesia para o discurso
conceitual, teórico, crítico.
A partir da
Antropologia Filosófica é possível identificar a subjetividade com a liberdade de agir,
bem como separar a alienação do sujeito por força do seu reconhecimento, no existir do
espírito objetivo.
-------------------------------------------------------
Aula do dia:
05.5.2004
Retomada da aula
anterior, sobre o pensamento de SOREN KIERKEGAARD (1813-1855) filósofo e teólogo
dinamarquês, no contexto dos pensamentos de SARTRE escritos nas páginas 22 e 23 da Questão
de Método.
Saber
enquanto totalização (em O que é Literatura?), é autobiograficamente
abordado por SARTRE pois, "derrepente" foi afetado pela Segunda Grande Guerra
Mundial, com a ocupação da França pelos Nazistas.
SARTRE aborda a
objetividade do materialismo e a subjetividade do idealismo de modo não convencional, ou
seja, não colocando em confronto tais conceitos, mas sim em um contexto próprio de singular
com o universal, ambos historicamente considerados. Nesse contexto histórico e
segundo o princípio antropológico, o agente é ao mesmo tempo o mediador do processo
histórico e o autor de sua realidade objetiva, não enquanto objeto alienado no
processo ou do processo, como deterministicamente restaria de uma abordagem
materialista reducionista ou fisicalista. Aqui vale a citação, in verbis:
"Ora, na
fase atual de nossa história, as forças produtivas entraram em conflito com as
relações de produção, o trabalho criador é alienado, o homem não se reconhece
(....)"
(p. 25)
A visão
existencialista da subjetividade permitiu a SARTRE repensar o materialismo histórico em
novas bases, exatamente por causa das contradições supra articuladas.
Questões:
I) Seria
possível conciliar a objetividade do materialismo com o caráter singular e subjetivo da
ação e da liberdade?
II) A eventual
contradição ou impossibilidade de conciliação entre a objetividade do materialismo com
o caráter singular e subjetivo da ação e da liberdade não seria uma condição para
reduzir a questão metafísica?
Respostas:
II) Deixar o
idealismo e adotar o materialismo manteria o dogmatismo. O Marxismo em refluxo teve que
proteger seus princípios da experiência histórica, como uma doutrina ou verdade
"em devir". Logo (1) a Teoria foi parada, frente à prática, em novo paradoxo
ao próprio Marxismo. Logo (2) a Teoria virou/viraria (Estalinismo enquanto violência) um
novo Idealismo, não um materialismo.
I) Sim, se e
enquanto adotado o "caráter heurístico" daqueles conceitos, nas aberturas que
abrem para novos conhecimentos, em função da realidade histórica. O "horizonte de
compreensão" é aberto, sendo "regulador" (KANT) seu papel, em oposição
ao "determinante" (KANT), já que "O pensamento concreto deve nascer da
práxis (....) em conformidade aos princípios" (Questão de Método). Tal
reciprocidade, tal retroalimentação, do método marxista, não permite sua formulação
descolada e anterior à práxis, pois está nesta inclusa, na proporção da sua busca de
totalização ou totalidade.
O universal
lógico (superioridade da Lógica) tem sentido no pensamento kantiano, dado o caráter
transcendental da forma e conteúdo; já a heurística dos conceitos marxistas não
permitem tal compreensão, que exigem a análise da situação histórica, materialmente.
MARX, em sua tese
número um sobre LUDWIG FEUERBACH, afirma que a falha principal de todos os materialismos
é a atitude extremada entre a teoria e a prática, aquela cristã e esta judia... em
notável preconceito da época que revela o distanciamento entre os conceitos.
Em língua
alemã:
Gezenstand |
versus |
Objekt |
enquanto...
"contra-sujeito" enquanto... "para o sujeito"
(o objeto)
enquanto... prática subjetiva de conhecer |
versus |
Objeto que está
acima do conhecimentohumano, da razão |
MARX critica FEUERBACH por (1) não ser objetivo em seu entendimento sobre o objeto e
(2) não ser objetivo na compreensão do real
próxima aula:
nota 14, pg. 37 a 39
-----------------------------------------------------------------------------
Aula do dia
12.5.2004
SARTRE, em 1948,
ao escrever Verdade e Existência (publicação póstuma), estabeleceu uma
relação entre o sujeito histórico, o objeto, e a verdade, situando a conduta individual
(ação, conhecimento, práxis) no mundo da realidade (liberdade nas condicionantes).
Conhecimento,
enquanto conduta humana, é expressão de uma subjetividade em dada condicionante
histórica. Essa conduta cognitiva se posiciona em relação aos três elementos
seguintes:
Sujeito <=>
Objeto
\/
verdade
A verdade
aparece como um desvelamento (HEIDEGGER), uma aletheia, uma não
ocultação, como na alegoria da caverna, de PLATÃO.
Conduta,
para SARTRE, é algo real, material, não formal, puramente lógico, a priori. Este
é o enquadramento da conduta segundo o princípio antropológico. Assim também
ocorre com a conduta interrogante, cognitiva, que busca conhecer a verdade do real,
enquanto atividade subjetiva, voltada para o exterior, para fora da platônica caverna.
Nesse contexto
SARTRE afirma, in verbis:
"A única
teoria do conhecimento que, atualmente, pode ser válida é a que se fundamenta nesta
verdade da microfísica: o experimentador faz parte do sistema experimental"
(fragmento da
nota 14, pg. 37)
Um paralelo
possível, com base em tal afirmação, ocorre entre o Princípio da Incerteza de
HEISENBERG e o Princípio Antropológico e/ou Ontológico de SARTRE. Aquele afirma ser
impossível determinar a posição e a velocidade de um elétron em um átomo por uma
mesma observação, este afirma que é impossível determinar a ação individual do
sujeito, sua liberdade, subjetividade, sem considerar o "sistema experimental",
ou suas condicionantes históricas. Nota-se que a certeza de um mundo mecânico,
determinado, de causas e conseqüências, de teses e antíteses a gerar sínteses, não é
contemplado, mas sim superado, em um processo incerto, que se determina teoricamente na
própria experiência.
A
historicização está, alegoricamente, na comparação entre os peixes que estão na
água com a humanidade que está na verdade, em um dualismo novo, sartriano, no qual o
sujeito histórico busca, nas condicionantes históricas (sempre verdadeiras) se
constituir, desvelando suas essências, ao mesmo tempo que conhece, desvelando, as
essências das demais pessoas. Este processo de desvelamento, esta aletheia processual,
gera a totalidade do ser, de um sujeito histórico que se faz na realidade humana.
Questão:
Qual a posição
da consciência?
Resposta:
É instauradora,
basilar, motora, de objetivação segundo o princípio antropológico, que também é
ontológico, ao definir a pessoa concreta pela sua materialidade, possibilitando o
conhecimento verdadeiro.
Nesse contexto,
ao afirmar "Só sei que nada sei", SÓCRATES afirma (segundo interpretação de
HEIDEGGER) que ignorar significa saber... que tudo está por saber! Logo é possível
esquematicamente representar o processo da seguinte forma:
Ser
<=> Realidade <=> Verdade
...pois, "o
desvelamento de uma situação faz-se na e pela práxis que a modifica" (nota 14, p.
37)
A concepção de
uma Teoria da Consciência é necessária para entender a práxis, a realidade, a verdade,
sem oposição ao materialismo, no contexto do princípio antropológico e/ou ontológico,
do ser.
Notar que o
"espírito objetivo" (p. 20) é (HEGEL) a sede do objeto filosófico reduzido à
sua mais simples expressão (enquanto cultura da época), não guardando paralelo com o
"olhar objetivo" (MARX) da "concepção materialista do mundo significando
a natureza do modo como ela é" (p. 37, nota 14).
A oposição
rígida, ou dicotomia radical, entre constituinte e constituído não permite a devida
compreensão existencial do humano, restando necessária a mediação, via disciplinas
auxiliares (capítulo II, p. 41 e seguintes).
Um bom exemplo da
superação dessa dicotomia pode ser encontrado na obra de MARX sob o título Dezoito
Brumário, com a análise dialética, aberta, heurística, dos conceitos sujeito e objeto,
classes sociais, luta, etc.
Um esquema ou
simplificação dessa superação seria:
dicotomia mitigada
\/
caráter
heurístico
\/
dialética
/\
conceito realidade
\/
experiência
______________________________________________________
Home Page
|