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Excelentíssima
Senhora Desembargadora Federal
CECILIA HAMATI
Egrégio Tribunal Regional Federal da Terceira Região
(TRF3-21/Fev/2001.035568-MAN/UTU3)
Autos nº 2000.03.99.010456-2
Apelação Cível - Ação Popular - Terceira Turma
Apelante: Carlos Perin Filho
Apeladas: União Federal e Outras Nações Amigas
Carlos Perin Filho, residente na Internet, em www.carlosperinfilho.net
(sinta-se livre para navegar), nos autos do recurso supra, venho, respeitosamente,
à presença de Vossa Excelência, apresentar, em ilustração à Apelação supra
referida, as seguintes matérias e comentários:
Por MAURÍCIO BOTELHO, didático artigo sob o título "As
desvantagens dos países em desenvolvimento na OMC - o caso da indústria
aeronáutica", apresentado no seminário inaugural do CEBRI (Centro Brasileiro de
Relações Internacionais), Rio de Janeiro, 15 de setembro de 2000, com destaque para os
seguintes parágrafos, in verbis:
"Os problemas técnicos legais do Brasil e do Canadá, revelados
nos casos das aeronaves, na Organização Mundial do Comércio (OMC) podem ser
solucionados. No entanto, o mais preocupante é o que esses casos revelam quando se fez
uma análise aprofundada das questões envolvidas. Eles expuseram uma grande desvantagem
estrutural, no caso dos países em desenvolvimento, dentro das normas legais da OMC que
regem os subsídios. Uma desvantagem que, de modo geral, havia passado despercebida antes
desses casos virem à tona.
Existem grandes problemas entre os países desenvolvidos e os países
em desenvolvimento, que precisam ser resolvidos para que a OMC possa continuar tendo o
sucesso que teve até agora. Um deles é a questão dos subsídios.
Permitam-me explicar o problema dos países em desenvolvimento com
relação ao Acordo de Subsídios, como ficou evidenciado no caso das aeronaves.
Começarei com o Artigo 3 do Acordo de Subsídios. É simples e claro: os subsídios às
exportações não são permitidos. O Acordo de Subsídios tem sete anexos. O Anexo I - em
parte - é uma Lista Ilustrativa dos tipos de subsídios às exportações que são
proibidos em conformidade com o Artigo 3. O Item (k) do Anexo I diz que os créditos para
a exportação constitui uma forma de subsídio, o que é proibido.
O item (k) tem dois parágrafos. O primeiro especifica que a maior
parte dos créditos para a exportação constituem subsídios proibidos. Mas o segundo
contém uma exceção. Eis o que o segundo parágrafo diz:
No entanto, se um Membro for signatário de um acordo
internacional de créditos oficiais à exportação, do qual pelo menos doze Membros
originais deste Acordo sejam signatários desde 1º de janeiro de 1979 (ou de um acordo
subseqüente que tenha sido adotado por esses Membros originais), ou se, na prática, um
Membro observar as disposições referentes à taxa de juros do respectivo acordo, uma
prática de crédito para exportação que estiver em conformidade com essas disposições
não será considerada um subsídio à exportação proibido por este Acordo.
O que é um acordo internacional de créditos oficiais para a
exportação do qual pelo menos doze membros originais desde (sic) Acordo são
signatários desde 1º de janeiro de 1979?
Na verdade - e isso não me surpreende - só existe um acordo que
corresponde a essa descrição. Ele é conhecido como Acordo sobre as Normas Gerais
para os Créditos para a Exportação com Apoio Oficial da Organização para a
Cooperação e para o Desenvolvimento Econômico - a OCDE.
Isso significa que os subsídios para a exportação, incluindo os
créditos para a exportação, são proibidos pelo Acordo de Subsídios da OMC - com
exceção dos subsídios ao crédito para a exportação que estiverem em conformidade com
os requisitos do Acordo da OCDE. Com esses subsídios - os que são permitidos pela OCDE -
não há problema.
Trata-se de uma disposição extraordinária para os padrões de
qualquer tratado internacional. A OCDE consiste de 29 países desenvolvidos. O contido no
segundo parágrafo do Item (k) do artigo 3º do Acordo de Subsídios da OMC significa que
esses 29 países desenvolvidos criam uma política que deve ser seguida obrigatoriamente
pela OMC na sua totalidade, ou seja, por todos os seus 138 membros. E, embora, de fato,
todos os 29 membros da OCDE sejam também membros da OMC, eles não são obrigados a
pertencer à OMC. Pelo menos em teoria, é possível que um pequeno grupo de países não
pertencentes à OMC estabeleça uma política de créditos para a exportação para toda a
OMC. Do jeito que as coisas estão, um grupo de 29 membros estabelece a política para
todos os 138.
Meu pais, o Brasil, não tem influência sobre o desenvolvimento dessa
parte da política da OMC na OCDE. Nem a Índia, ou a Argentina, ou qualquer membro da OMC
na África, ou qualquer outro país em desenvolvimento. Somente 29 dos 138 têm poder
sobre essa política. Por que a OMC deve permitir que a OCDE escreva e modifique, como
quiser, as normas da OMC referentes aos créditos para exportação?
Trata-se de um problema institucional sério que precisa ser resolvido.
Mas do ponto de vista da nossa empresa, este não é o principal problema de ordem
prática. O principal problema prático é que, permitindo os créditos para exportação
como uma exceção à proibição de subsídios à exportação, o Acordo de Subsídios
inevitavelmente favorece os países membros desenvolvidos em detrimento de todos os
demais. Isso ocorre porque os subsídios ao crédito para a exportação são fornecidos
pelos governos, e os governos dos países desenvolvidos estão em melhores condições par
fornecer créditos aos seus exportadores.
O que são créditos para a exportação? Eles consistem no apoio de um
governo para financiar a venda de um bem de capital de valor significativo, como um
avião. Existem três tipos básicos:
1. Apoio Referente à Taxa de Juros;
2. Financiamento Direto; e
3. Garantias de Empréstimos.
Dessas três formas de apoio para exportação, o apoio referente à
taxa de juros é a mais viável para os governos dos países em desenvolvimento. As
garantias de empréstimo não funcionam porque, obviamente, as classificações de
crédito dos nossos governos não são tão favoráveis quanto as dos países
desenvolvidos. O financiamento direto se encontra disponível, mas é caro, além do fato
do governo credor ter (sic) adiantar os fundos no início da transação, e os tesouros
nacionais dos países em desenvolvimento são muito mais limitados que o dos países
desenvolvidos. Em princípio, portanto, estamos limitados ao apoio referente às taxas de
juros, apenas porque essa modalidade envolve um dispêndio monetário inicial mais baixo.
Mas até mesmo nesse caso o sistema prejudica os países em
desenvolvimento.
No caso das garantias de empréstimos, não há custo par o governo a
não ser que haja inadimplência. No caso do financiamento direto, o empréstimo é pago.
O apoio referente à taxa de juros é a única situação em que sempre há um custo para
o governo, porque não há reposição de um subsídio de taxa de juros. Mas esse custo,
para os governos dos países em desenvolvimento, quando estes tentam oferecer algo aos
seus exportadores, para que possam competir com os exportadores dos países desenvolvidos,
sempre será superior ao custo para os países desenvolvidos. Na vida real, esse custo
sempre limitará a capacidade que os governos dos países em desenvolvimento têm de
conceder crédito para ajudar os seus exportadores.
As desvantagens estruturais não param por aí.
Permitam-me mencionar dois grandes furos no Acordo da OCDE que tornam o
sistema ainda mais prejudicial para os países em desenvolvimento.
Segundo os seus termos, o Acordo somente se aplica aos créditos
oficiais, mas o termo créditos oficiais não é definido no Acordo.
Membros diferentes da OCDE lhe atribuem definições diferentes, o que não nos
surpreende.
Alguns membros da OCDE - mais notadamente, o Canadá - acreditam que
quando os órgãos de crédito para a exportação estão operando no mercado, eles não
estão fornecendo créditos oficiais. Esses órgãos se consideram meros
participantes do mercado, assim como os bancos comerciais. Quando eles concedem
empréstimos nessa condição, o fazem mediante a janela do mercado - outro
termo que fica sem definição no Acordo da OCDE. E, quando eles estão operando mediante
a janela do mercado, eles não estão concedendo créditos
oficiais, e, portanto, nem são obrigados a observar as taxas de juros especificadas
no Acordo da OCDE. Eles podem - e fazem isso, como o Canadá admitiu na OMC - conceder
créditos a taxas inferiores às especificadas pela OCDE!
Enquanto isso, o melhor que os países em desenvolvimento podem fazer,
de acordo com a OMC, é conceder crédito às taxas estipuladas pela OCDE, as quais, com
acabei de dizer, são superiores às taxas da janela de mercado oferecidas
pelo Canadá. Esse é um sistema que coloca os países em desenvolvimento permanentemente
em uma situação de desvantagem estrutural no campo dos créditos para exportação.
(....)"
(In: POLÍTICA EXTERNA - www.politicaexterna.com.br - vol. 9,
n. 3, p. 228-230)
Tal discurso - para efeitos nesta actio popularis - evidencia a
relação entre o Direito Administrativo e o Direito Internacional Público, nas lições
de JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, in verbis:
"83. Direito administrativo e direito internacional público
A intensa vida de relação entre os Estados modernos deu origem,
na órbita internacional, ao aparecimento de inúmeros vínculos, jurídicos e sociais,
que, ao serem apreciados de maneira científica, passam pelo crivo de princípios de
direito internacional público através de órgãos e agentes que se submetem a normas
ditadas pelo direito administrativo.
E, tão freqüentes e importantes são os pontos de contato que surgem
entre esses ramos do direito que, em torno da nova disciplina, por alguns denominada de
direito internacional administrativo e, por outros, de direito administrativo
internacional, floreceu copiosa bibliografia especializada em que primam, pela excelência
e clareza, os trabalhos de internacionalistas e de administrativistas italianos.
Muitos dos problemas, a princípio afetos às administrações locais,
pelos característicos gerais de universalidade de que se revestem, passam a projetar-se
na órbita internacional, despertando o interesse simultâneo de vários países que
procuram de comum acordo resolvê-los.
Vem desse modo o direito internacional em socorro da Administração e,
de acordo com os princípios deste, encontram-se os meios adequados para a resolução
exata dos assuntos de interesse coletivo." (In: CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO,
Editora Forense, 15ª ed. rev. e atu., p. 130-131)
Em investigação da especificação científica sobre a relação
supra referida por JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, para os fins desta actio popularis,
CELSO D. DE ALBUQUERQUE MELLO oferece as seguintes reflexões sobre o Direito
Internacional do Desenvolvimento (DI do Desenvolvimento), in verbis:
"1. O estudo do DI do Desenvolvimento como um ramo do DI Público
é relativamente recente e ainda não completou três décadas. A sua importância é
óbvia e vai ocorrer com a independência do 3º Mundo formado por países que já foram
denominados de subdesenvolvidos, em vias de desenvolvimento,
em desenvolvimento, ou ainda 3º Mundo. Na verdade, o que se
pretende fazer é com que o DI Público se transforme em um instrumento de luta contra a
pobreza e a miséria que assolam o nosso planeta.
(....)
6. As fontes do DI do Desenvolvimento são de um certo modo as mesmas
do DI como o tratado, o costume e os princípios gerais do direito. O formalismo foi
diminuindo mesmo nestas fontes formais. Assim passou-se a considerar, como tem sido
observado, que o importante é se atingir o resultado desejado não importando a forma.
Surgem os arranjos, ou os comunicados intergovernamentais. E mais, contratos,
que não são formalmente tratados, mas que obrigam os estados como os concluídos por
agências estatais (Banco Central, organizações de comércio exterior) com outros entes
semelhantes. Na verdade, o que importa é que haja o consentimento do estado, vez que isto
resguarda a sua soberania, fazendo com que a ordem internacional respeite o princípio da
democracia. O próprio costume, segundo Bennouna, transformou-se ao tornar o elemento
subjetivo ou psicológico, o opinio juris vel necessitatis como sendo o
elemento mais importante por influência da doutrina soviética e dos países em
desenvolvimento.
(....)
O DI do Desenvolvimento tem uma única finalidade: o desenvolvimento
para todos os estados. O desenvolvimento é a ideologia que o determina.
A sua formação, reconhecemos, é ainda embrionária, sendo suficiente
lembrar que a prática o tem consagrado de modo bastante restrito e a doutrina não tem
conseguido sistematizá-lo. É um direito em elaboração e a própria noção de
desenvolvimento não é também estática. O que ele pretende é tornar jurídico no plano
internacional aquilo que os estados com um poder político unificado não conseguiram: a
idéia de solidariedade. Isto é o ideal, mas ainda não atingido. O DI do Desenvolvimento
tem a grande vantagem de fazer com que o DIP deixe de ser um simples direito
neutro ou direito de coexistência, como escreveu Colliard.
(....)"
(In: DIREITO INTERNACIONAL ECONÔMICO, Ed. Renovar, 1993, par.
de p. 9, 22 e 26)
Do Direito Administrativo (Lei da Ação Popular, v.g.), ao
Direito Internacional do Desenvolvimento, mister aprofundar as considerações
terminológicas pertinentes à lógica paraconsistente, pois esta é muito importante para
o oportuno e conveniente desenvolvimento do Direito, conforme ensina CLAUDIA MARIA
BARBOSA, in verbis:
"[5] A contribuição da lógica paraconsistente
A lógica deôntica é uma das muitas lógicas desenvolvidas a
partir da lógica clássica, sendo considerada uma lógica complementar a esta. De um
lado, porque observa as principais regras de inferência que caracterizam a lógica
clássica, quais sejam, as chamadas Leis do Pensamento; de outro lado, porque os
operadores de que se utilizam (obrigatório, proibido, permitido), permitem uma maior
capacidade de expressão do que aqueles baseados unicamente na lógica tradicional.
As lógicas complementares alargam o âmbito de aplicação da lógica
clássica. Os operadores que utilizam modificam o aparato lingüístico sob o ponto de
vista sintático, embora não alterem nada de essencial do ponto de vista semântico.
Também neste âmbito, as modificações são suplementares e visam
tão somente a maior adequação às relações sintáticas expressas pelos novos
operadores.
Ao lado dos sistemas lógicos complementares à lógica clássica, há
os chamados sistemas divergentes, rivais daquela, como aqueles denominados sistemas
lógicos paraconsistentes, os quais tem sido desenvolvidos com o propósito de substituir
os sistemas clássicos em determinadas situações, onde a lógica clássica tem se
mostrado insuficiente.
Algumas dessas lógicas paraconsistentes - as mais conhecidas -
distinguem-se da lógica clássica exatamente por derrogarem pelo menos um de seus
princípio (sic), os quais indicou-se anteriormente por Leis de Pensamento.
A primeira destas lógicas heterodoxas denomina-se lógica
não-reflexiva, e caracteriza-se por colocar em cheque o princípio da identidade.
Uma segunda lógica é a denominada paracompleta; nesta, a lei do
terceiro excluído é derrogada, admitindo-se Conseqüentemente que duas proposições
contraditórias, A e ~A sejam ambas falsas.
Ao lado destes sistemas paracompletos, há as lógicas
paraconsistentes, cuja base é a derrogação do princípio da contradição.
Um sistema lógico estruturado conforme o princípio da contradição
afirma de duas proposições A e ~A que, se uma for verdadeira, a outra é falsa.
No esquema exposto por Newton DA COSTA, uma teoria dedutiva T, cuja
linguagem contenha um símbolo para a negação, é dita inconsistente se o conjunto de
seus teoremas contém ao menos dois deles, um dos quais sendo a negação do outro. Sendo
A e ~A tais teoremas, ambos integrantes de um mesmo sistema lógico, apresenta uma
contradição. A teoria T chama-se trivial (ou supercompleta) se todas as proposições
formuláveis em sua linguagem forem teoremas de T, ou dito de outra forma, se tudo o que
puder ser expresso na linguagem T puder ser provado em T.
Inconsistência e trivialidade não significam a mesma coisa, mas no
âmbito da lógica clássica são considerados conceitos equivalentes, uma vez que um
deles implica o outro.
Assim a presença de uma contradição trivializa T, ou seja, se em um
único sistema de lógica clássica forem derivadas duas sentenças, uma das quais sendo a
negação da outra, então qualquer sentença exprimível na linguagem T pode ser derivada
em T.
Dito de outra forma, nas lógicas ditas clássicas, em geral, é
válido o princípio ex falso sequitur quod libet, formalmente expresso pela
fórmula (A & ~A) - > B, que indica que "de uma falsidade, tudo se
segue". Ou, tomando-se em consideração a idéia da contradição, "de uma
contradição, qualquer coisa pode ser concluída".
Se tudo se pode concluir de uma falsidade ou de uma contradição,
pode-se provar qualquer coisa, e será impossível distinguir o falso do verdadeiro, de
forma que, desde o ponto de vista da lógica clássica, um sistema trivial é inútil,
porque se a partir dele tudo se pode afirmar, ele não acrescenta nenhuma informação.
As lógicas paraconsistentes buscam obstaculizar essa implicação
entre inconsistência e trivialidade, de forma que em um sistema se possam admitir
determinadas contradições sem que com isso se "contamine" o sistema como um
todo. São portanto sistemas lógicos capazes de fundamentar teorias inconsistentes e não
triviais. Assim, admite-se proposições contraditórias sem que por isso o sistema perca
seu valor científico.
Em um artigo denominado Normative Logics, Morality and Law,
Leila Zardo PUGA, Newton da COSTA e Roberto VERNENGO partem de duas constatações que por
si só, defendem eles, justificam a utilização de sistemas lógicos paraconsistentes no
direito.
De um lado, entendem que em sua grande maioria, os corpus
normativos legais, que compõem em grande parte o arcabouço legislativo de direito
contemporâneo, contêm normas que implicam contradições; por exemplo, uma mesma ação
é regulada como obrigatória e, ao mesmo tempo, como proibida. Ou então, em certas
circunstâncias, uma mesma ação é de um lado caracterizada como obrigatória e ao mesmo
tempo como não devida (proibida).
Estas circunstâncias ficam mais evidentes quando está-se frente a
dilemas deônticos, caracterizados quando uma pessoa deve cumprir uma ação que ela, ao
mesmo tempo, não está obrigada a desempenhar.
Assim, por exemplo, no caso de aborto espontâneo, particularmente
quando o feto e a mãe competem pela sobrevivência, isto é, quando apenas um deles
poderá sobreviver. Está-se diante de um dilema moral, e estes normalmente ensejam
conflitos normativos que um ordenamento comumente não consegue resolver.
A segunda aplicação vislumbrada pelos autores citados diz respeito
às lacunas legais e aos muitos conceitos vagos e ambíguos de que se utiliza o direito -
e não só ele - na definição de seus conceitos legais.
Em diferentes circunstâncias em que se utiliza um mesmo signo
lingüístico, este adquire diferentes conotações em função de se (sic) uso, das
situações em que é definido, e assim por diante. Sistemas formalizados neste caso
apresentariam a vantagem de contar com a precisão dos componentes do sistema e dos
operadores, formalmente traduzidos, com a vantagem de que, no sistema lógico
paraconsistente, a admissão de uma contradição não faz desmoronar todo o sistema.
Como já foi explicitado, a lógica clássica, e mesmo a lógica
deôntica complementar a esta, não admite contradições sem que com isso todo o sistema
entre em colapso. Dito de outra forma, a lógica clássica não abarca e tampouco admite
contradições que, consideram estes autores, são imanentes entre outras, ao direito e à
moral.
Nesse contexto é que se considera a utilidade das lógicas
paraconsistentes, e especialmente no caso do direito, a lógica deôntica paraconsistente,
que, embora ainda formalmente incipiente, busca justamente a elaboração de sistemas
lógicos que admitam contradições, sem que dessa assunção decorra a trivialidade do
sistema como um todo.
De fato, hoje admite-se que o direito abarca contradições, mas, de
formas variadas, diversos pensadores vem relativizando estes "problemas"
utilizando-se de conceitos variáveis de sistema, de unidade do ordenamento, e da própria
completude do direito.
Admite-se que a coerência é propriedade não do ordenamento como um
todo, mas de suas diversas partes (Tércio FERRAZ JR. Norberto BOBBIO).
Nesse contexto, o desenvolvimento de sistemas deônticos
paraconsistentes pode ser de grande utilidade porque através da formalização torna-se
mais fácil identificar a existência de paradoxos e enunciados que implicam sentenças
contraditórias, as quais a utilização da linguagem natural, por suas limitações, não
revela.
Observa-se que se fala em pluralidade de sistemas lógicos
paraconsistentes. Isto porque, como não há no estudo da lógica deôntica um único
sistema capaz de explicar e formalizar todo o direito, da mesma forma ocorre com as
lógicas paraconsistentes. Não há apenas uma, e tampouco as lógicas paracompletas e
não-reflexivas expressam a totalidade das lógicas heterodoxas.
A discussão quanto ao objeto, à função e distinção das normas e
das proposições normativas, suas estrutura, a possibilidade de aplicação dos
princípio (sic) lógicos às normas, e sua adequada formalização, também estão
presentes quando se tem em conta a perspectiva da formalização de um sistema lógico
paraconsistente.
Também aqui se discutem os operadores que compõe a lógica deôntica,
e a perspectiva de uma lógica multivalorativa que proponha outros valores além do
verdadeiro ou falso, ou mesmo do válido ou inválido, conforme o caso.
A premissa que une as diversas propostas que já apareceram e que
continuam a surgir neste campo, é a possibilidade de construção de uma lógica onde
admita-se a existência de contradição sem que com isso o sistema perca sua utilidade.
Dito de outra forma, uma lógica inconsistente, mas não trivial.
É nesse sentido que pode estar se abrindo um novo caminho para que
(sic) o direito, mesmo com contradições e lacunas que traduzem a própria complexidade
das relações sociais. Nessa perspectiva, a lógica deôntica paraconsistente passa a ser
instrumento importantíssimo de análise do próprio direito e da ciência
jurídica."
(In: PARADOXOS DA AUTO-OBSERVAÇÃO - PERCURSOS DA TEORIA JURÍDICA
CONTEMPORÂNEA, organizado por LEONEL SEVERO ROCHA, JM Editora, Curitiba, 1997, p.
89/92)
A lógica paraconsistente, na teoria e na prática supra
exemplificadas, repercute na metodologia científica também do Direito Administrativo, ao
conferir estruturas lógicas novas aos seus métodos, conforme ensina JOSÉ CRETELLA
JÚNIOR, in verbis:
"Capítulo XV
METODOLOGIA DO DIREITO ADMINISTRATIVO
127. O problema do método
O direito administrativo utiliza-se de método próprio,
para a estrutura de seus institutos.
Método é o caminho que o espírito humano percorre para
atingir o objeto. É o conjunto de regras que disciplinam a razão,
orientando-a para o conhecimento da verdade.
O procedimento metódico, que se contrapõe ao casual, conduz
o sujeito cognoscente ao objetivo visado, evitando-se desse modo a tentativa
assistemática, o caminho inadequado, que acarreta inútil perda de tempo e afastamento
progressivo da verdade, podendo ser o método comparado a um mapa preciso que
indica a verdadeira rota, sem divagações, levando dentro de pouco à identificação dos
termos do binômio sujeito-objeto, ao contrário da indefinida informação oral, dada por
um leigo, que apenas por coincidência guiará o caminhante ao ponto exato que pretende
alcançar.
Cada ciência pesquisa as características de determinado tipo de
objeto (aspecto formal), havendo muitas ciências que consideram o mesmo objeto (aspecto
material), sendo o primeiro aspecto - o formal - que torna diferente uma ciência de
outra.
Cabe à metodologia investigar e descobrir qual dentre os
vários processos racionais é peculiar a uma dada ciência. Assim, Metodologia é
a ciência que descobre o método com que cada ciência deve trabalhar para atingir seu
objeto. É a ciência da seleção do método adequado.
Assim como nas ciências físico-naturais há um caminho que se adapta
aos objetos do mundo físico (objetos naturais), também nas ciências jurídicas e
sociais existem categorias especiais de métodos que se flexionam ao mundo cultural em que
outros objetos se movimentam. E, do mesmo modo que, na maioria das vezes, não é
indiferente a escolha de via terrestre, marítima ou aérea, para chegar a determinado
tempo, inacessível, a uma das vias indicadas, no mundo das ciências é preciso também
descobrir quais as rotas mais compatíveis para a apreensão dos diferentes objetos.
Que tipo de objeto é o direito? Que método ou caminho
deve ser empregado para captá-lo do mundo mais completo possível?
Tais indagações competem à filosofia do direito, que auxilia os
diversos ramos do direito, na perseguição exata e completa de seus respectivos objetos.
Depende de duas circunstâncias a eleição do método em
questão: do fim que se pretende alcançar e da natureza da disciplina a que
deve aplicar-se.
Teoricamente falando e levando-se em consideração os diferentes
momentos do trabalho científico, admitem os métodos, em geral, uma tríplice
classificação: a) métodos de pesquisa; b) métodos de
sistematização; c) métodos de exposição.
Os métodos de pesquisa dirigem-se aos objetos para depois
receber formalização em juízos certos ou prováveis.
Os métodos de sistematização e os de exposição
trabalham com os resultados alcançados pelos primeiros, contribuindo para divulgá-los.
Há muitas outras espécies de métodos, como os discursivos ou
de inferência mediata e os intuitivos ou de inferência imediata.
Consiste o método discursivo numa série de esforços
sucessivos em torno do objeto para envolvê-lo, mediante uma série de proposições que
se encadeiam, progressivamente.
Consiste o método intuitivo em operação integral, única e
indivisa do espírito, que se projeta sobre o objeto e o domina, abrangendo-o numa
panvisão, sem que nada - nenhuma proposição, nenhum juízo - se interponha entre o
sujeito cognoscente e o objeto cognoscível.
O método discursivo compreende não só a dedução, que parte
de uma verdade ou princípio geral e chega a uma verdade individual e limitada, havendo,
pois, uma espécie de descida entre um princípio e uma conclusão verdadeira, como
também a indução, que segue o caminho inverso, partindo do caso particular para
consubstanciar-se em um princípio geral. Divide-se a indução em aristotélica e baconiana.
Os métodos de inferência imediata estão reunidos sob o
título genérico de métodos intuitivos.
Intuição, em sentido lato, é a "visão direta do objeto
pelo sujeito", é o "contato integral e imediato dos dois termos do binômio
sujeito-objeto", a tal ponto que, nada se colocando de permeio entre ambos, é
possível a mais perfeita identificação de quem procura com o objetivo procurado.
A intuição pode ser sensível e espiritual,
compreendendo esta última, a intelectual, a emotiva e a volitiva.
Há ainda várias outras modalidades de intuições: a de Bergson, a de Husserl.
Por esta simples apresentação não é difícil concluir como é
complexo, em filosofia, o problema do método e da metodologia."
(In: CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO - DE ACORDO COM A
CONSTITUIÇÃO VIGENTE, Forense, 15ª ed. p. 175/7)
Para concluir esta abordagem terminológica sobre o método e a
evolução científica, mister manter o espírito jurídico aberto para novas percepções
fenomenológicas, pois "O método é tão infinito quanto a própria ciência"
como ensina EUGEN EHRLICH (cf. FUNDAMENTOS DA SOCIOLOGIA DO DIREITO, Unb, 1986, p. 388,
trad. RENÉ ERNANI GERTZ), e "Talvez seria melhor limitarmo-nos a conceber esta
maneira particular do pensamento jurídico como um estilo deste pensamento, que constitui
uma individualidade cultural da caráter próprio. Este estilo foi se formando no curso de
séculos e foi acentuado, às vezes mais, às vezes menos. Com o termo "estilo"
já estaria dito que não se pode separar este caráter do conteúdo, do pensamento, que
é efetivamente a maneira na qual este pensamento é exercitado em nossa comunidade
cultural. Entra-se neste estilo como que crescendo para dentro dele e a formação
jurídica é um conhecido testemunho como sucede este crescer para dentro. Este estilo se
situaria numa íntima relação de troca com as correntes fundamentais políticas,
espirituais e científicas de cada época, incorporando e elaborando os momentos mais
fortes destas correntes fundamentais. Este estilo não seria, portanto, algo apriórico,
mas parte da cultura global de um contexto jurídico, assim como o direito mesmo também
é apenas parte desta cultura. Pode-se, portanto, aceitar sem mais que em outros contextos
jurídicos se formou um outro estilo de trabalho jurídico e de pensamento jurídico, sem
que, no entanto, se tenha que tentar relacionar os estilos ou harmonizá-los de alguma
maneira entre si. Tais tentativas também não se fariam em relação com a história de
povos individuais e seus contextos culturais.", como ensina JAN SCHAPP (cf. PROBLEMAS
FUNDAMENTAIS DA METODOLOGIA JURÍDICA, Sergio Antonio Fabris Editor, Porto Alegre, 1985,
trad. ERNILDO STEIN).
Do exposto, requeiro o regular andamento desta actio popularis.
São Paulo, 21 de fevereiro de 2001.
179º da Independência e 113º da República Federativa do Brasil
Carlos Perin Filho
OAB-SP 109.649
E.T.: Nome e assinaturas não conferem frente aos documentos
apresentados com exordial em função da reconfiguração de direito em andamento, nos
termos da Ação Popular nº 98.0050468-0, 11ª Vara Federal de São Paulo, ora em grau de
Apelação, sob a relatoria do Desembargador Federal ANDRADE MARTINS, em autos sob nº
2000.03.99.030541-5 - www.trf3.gov.br -
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