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Estado - De que valores e exemplos os jovens podem se orgulhar hoje?
Morin - Os grandes motivos de exaltação nacional deixaram de
existir, salvo no futebol com seus campeões que são tomados por heróis, como
Ronaldinho, Zidane. Heróis modestos. Há os heróis da mídia, mas há também - e esse
é o paradoxo do mundo da imagem - os heróis anônimos, sem cara, que se consagram às
obras humanitárias e se acham sob a égide de instituições como Anistia Internacional,
Médicos Sem Fronteiras, Cruz Vermelha...
O admirável aí é que você se depara com heróis impessoais, nenhum
deles deseja ocupar a cena e virar um personagem, isto, em contraste flagrante com o
egocentrismo e o narcisismo galopantes nas sociedades atuais. Trata-se de pessoas
imbuídas de autênticos sentimentos cívicos. Temos que aplaudir esses cidadãos do mundo
que se dão por missão lutar contra as injustiças e misérias mais gritantes. Eis do que
deveríamos ser orgulhosos - da capacidade humana de resistir à crueldade do mundo.
Estado - O sr. acredita portanto que a mística das grandes causas e
ideais sobreviverá ao aparente declínio das ideologias?
Morin - Se você considera a ameaça de catástrofe contida na
multiplicação das armas nucleares; se leva em conta o risco de catástrofe ecológica
embutido na degradação crescente da biosfera e o fato de que o recrudescimento das
antigas doenças como tuberculose - que eram tidas como erradicadas - se acompanha agora
da irrupção de novas enfermidades como a da vaca louca, da aids, de vírus
desconhecidos; se avalia a expansão das máfias, dos cartéis da droga, do crime
organizado no quadro de uma economia mundial desregulada e pervertida pela mais
desenfreada especulação, você verá que uma grande causa convoca, faz apelo a todo o
talento pedagógico da comunidade humana - a causa de civilizar e salvar o planeta."