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Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal
SOUZA PIRES - Quarta
Turma -
Egrégio Tribunal Regional Federal da Terceira Região
(TRF3-18/Set/2000-11:12
2000.219376-MAN/UTU4)
Autos nº 1999.03.99.089557-3
Apelação Cível - Ação Popular
Apelante: Carlos Perin Filho
Apeladas: União Federal e Ots.
Carlos Perin Filho, nos autos do recurso supra, venho,
respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, apresentar, em ilustração, as
seguintes matérias, doutrinas e comentários:
Por comentários & perspectivas de MARIA CLARA R. M. DO PRADO,
publicados no jornal Gazeta Mercantil de 17/09/1998, p. A-3, sob o título "Amor e
ódio pelo FMI", evidenciando a importância do câmbio de moedas para as economias
do planeta Terra, com efeitos colaterais nas taxas de juros, objeto desta actio
popularis., com destaque para os seguintes parágrafos, in verbis:
"Há exatamente um ano, a nata da comunidade financeira
internacional acompanhava boquiaverta, em Hong Cong, o desenrolar da crise cambial
detonada naquela mesma região, dois meses antes, com a debacle da Tailândia.
(....)
Mas parece que o mundo, incluindo aquelas mesmas autoridades
brasileiras, passou a ver agora o FMI com olhos mais generosos: ruim com ele, pior sem
ele."
Por petição - sob protocolo 392007 - endereçada a(o)
Ilustríssimo(a) Senhor(a0 Diretor(a) Regional do Banco Central do Brasil em São Paulo,
para as providências julgadas oportunas e convenientes por aquela Autoridade
Administrativa, aos 24/12/1998.
Por MAILSON DA NÓBREGA - mailson@palavra.inf.br -
opinião econômica publicada no jornal Folha de S. Paulo de 07/04/2000, sob o título
"Juros e juros", com destaque para os seguintes parágrafos, in verbis:
"A taxa de juros é um tema complexo. Presta-se a análises
abalizadas, à polêmica e até ao exercício da desonestidade intelectual e da
ignorância.
Nos países desenvolvidos, os juros costumam ser tratados com elevado
profissionalismo.
(....)
O Banco Central é responsável pela geração de um bem público
essencial: a estabilidade da moeda. Não é possível medir o seu custo nem cobrá-lo. O
BC deve ser avaliado pela produção desse bem, e não pelo efeito de suas decisões no
campo fiscal.
(....)
Os juros pagos pelo tomador final também são um subproduto desse
quadro institucional. Derivam em grande parte da incidência múltipla de contribuições
fiscais nas transações financeiras (caso único no mundo), da ainda baixa competição e
dos riscos típicos da situação brasileira. Sem resolver as causas, não desaparecerá o
efeito.
É salutar a discussão sobre os juros, apesar da poluição das más
idéias."
Na seqüência das ilustrações, por analítico filosofar de VERA
CRISTINA DE ANDRADE BUENO e LUIZ CARLOS PEREIRA, in verbis:
"capítulo 14
A FILOSOFIA ANALÍTICA
___________________________________________________________
Definição
Quanto usamos a expressão filosofia analítica,
estamos querendo referir-nos a um modo de fazer filosofia que acredita que os problemas
filosóficos possam e devam ser resolvidos por meio de uma análise da
linguagem. Isso significa que a atividade filosófica deve preocupar-se com o
esclarecimento das expressões lingüísticas e, mais abstratamente, com questões sobre a
significação, a verdade, a referência. Muitas vezes lidamos com expressões que nos
podem confundir, que, em vez de revelar um verdadeiro problema filosófico, não fazem
mais do que revelar um falso problema. Assim, a atenção para com as expressões
lingüísticas e seus elementos constitutivos revela um cuidado para com a maneira pela
qual falamos das coisas e dos problemas por ela levantados.
Contexto histórico
A filosofia analítica teve início na virada do século, mas
corresponde a uma concepção tradicional que entende a atividade filosófica como
atividade a priori, isto é, como atividade cuja validade não depende de uma
verificação na experiência, como acontece com a ciência. A compreensão filosófica se
dá por meio da análise e de explicitação dos conceitos que constituem as expressões
filosóficas, e da possibilidade que a explicitação feita tem de se defrontar com outras
posições filosóficas. Assim a validade de uma determinada análise se verificará se
ela se sair vitoriosa no confronto com outras posições. Se é assim, não se tem ainda
uma idéia precisa do que seja a filosofia analítica, enquanto não se determinar o que
se entende exatamente por fazer análise da linguagem, enquanto não se
precisar o tipo de análise em questão. Para fazer isso, vamos partir das diversas formas
que tomou o movimento da filosofia analítica no decorrer de sua história. Vamos
restringir-nos aos quatro momentos que marcam seu início.
1. O primeiro momento é aquele no qual começa a ocorrer uma mudança
na concepção de filosofia. É aquele em que os filósofos começam a ver que as
questões sobre o sentido e sobre a linguagem desempenham um papel fundamental na
filosofia. Para esse momento, muito contribuiu G. Frege (1848-1925). Ao se perguntar pelo
sentido das idéias que os homens têm a respeito do mundo e da mente humana, Frege vai
colocar no centro da atividade filosófica questões sobre a linguagem. Tendo em vista
eliminar a influência que as palavras da linguagem ordinária possam ter sobre a
filosofia, ele vai construir uma ideografia, uma linguagem formal. Com esse procedimento,
questões sobre a linguagem ganham precedência sobre questões que versam sobre o quê
e como podemos conhecer. Vejamos o que Frege diz a respeito da tarefa da filosofia.
Se uma das tarefas da filosofia é derrubar a dominação da palavra
sobre o espírito humano, ao desnudar os equívocos que, através do uso da linguagem com
freqüência e quase que inevitavelmente surgem com respeito às relações entre os
conceitos, o liberar o pensamento daquilo que apenas por meio das expressões da linguagem
ordinária, constituídas como são, sobrecarregam-na, então, minha ideografia,
desenvolvida adiante, para esses propósitos, pode tornar-se um instrumento útil para o
filósofo. Certamente, ela não conseguiria reproduzir idéias numa forma pura, e isso
provavelmente não pode deixar de ser assim, pois as idéias são representadas por meios
concretos, mas, por um lado, podemos restringir as discrepâncias àquelas que são
inevitáveis e inofensivas e, por outro, o fato de elas serem de um tipo completamente
diferente daquelas peculiares à linguagem ordinária já dá proteção contra a
influência específica que os meios particulares de expressão possam exercer.
(G. Frege, Begriffsschrift, in From Frege to Gödel,
Cambridge/Londres, Harvard University Press, 1981, p. 7)
No entanto, a linguagem torna-se uma preocupação filosófica por
excelência com dois filósofos ingleses, G. E. Moore (1873-1958) e B. Russell
(1872-1970). Esses filósofos têm em comum a crítica à postura idealista vigente, nesse
momento, na Inglaterra. Contra o idealismo, Moore reafirma a existência de um mundo
físico, independente da mente humana, que contém uma série de objetos individualizados.
Para Moore, se não podemos questionar a crença na existência do mundo, podemos, no
entanto, questionar a interpretação segundo a qual a crença no mundo é
explicitada. A tarefa do filósofo consiste, portanto, em analisar, em interpretar
e dar sentido à linguagem na qual essas crenças são explicitadas.
Russell também não duvida da existência de um mundo exterior e da
pluralidade de elementos nele existentes. Mas aceitar isso não significa que se possa
justificar tudo o que é afirmado pelo senso comum. Assim sendo, Russell admite dois tipos
de análise: uma lógica e outra metafísica. Todas as vezes em que a forma
verbal da proposição se revelar obscura, torna-se necessário recorrer à análise
lógica. Muitas vezes uma proposição parece simples e singular, como O autor de Grande
sertão: veredas era brasileiro. Sua análise, porém, revelará que ela é
complexa e geral. Ela envolve uma quantificação existencial. Ela pressupõe a
afirmação de que existe um indivíduo e que esse indivíduo é escritor e é brasileiro.
Reparem como Russell procede na análise da proposição de O autor de Waverly
era escocês.
(...) a proposição o autor de Waverly era escocês
envolve:
1) X escreveu Waverly não é sempre falsa;
2) se X e Y escreveram Waverly, X e Y são
idênticos;
3) se X escreveu Waverly, X era escocês é sempre
verdadeira.
Essas três proposições, traduzidas para linguagem ordinária, dizem:
1) pelo menos uma pessoa escreveu Waverly;
2) na máximo uma pessoa escreveu Waverly;
3) quem quer que tenha escrito Waverly era escocês.
(B. Russell, Introdução à filosofia da matemática,
Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1974, p. 169)
E todas as vezes em que a proposição se referir a coisas, relações
e características do mundo que sejam complexas, devem-se substituir os nomes das
entidades complexas por nomes de entidades mais fundamentais. Trata-se da análise
metafísica. Isso deverá ser feito de tal forma que o conteúdo da proposição não seja
modificado. Faz-se uma reformulação da proposição, uma tradução, se assim
podemos dizer. Russell chama as entidades complexas de construções lógicas.
Os objetos materiais são dados sensíveis. Assim, podem-se substituir, numa proposição,
os nomes dos objetos, isto é, das construções lógicas, por nomes dos dados dos
sentidos, sem modificar aquilo que a proposição diz. Se é assim, os nomes dos objetos,
para Russell, são supérfluos.
Apesar de algumas vantagens que esse modo de fazer análise trouxe para
a filosofia num primeiro momento, no que diz respeito à reformulação dos termos mais
complexos em termos mais simples, começaram a surgir algumas dificuldades. Como analisar,
numa proposição, conceitos que indiquem entidades como uma nação? Vejamos a seguinte
proposição:
(1) O Brasil assinou um acordo com o FMI.
Como poderemos analisar Brasil? Será que podemos fazê-lo
na forma de (2)?
(2) Os brasileiros assinaram um acordo com o FMI.
Se (1) é verdadeira, será que (2) também é? É verdade que cada um
dos brasileiros assinou o acordo? Se (2) não é verdadeira, então as duas proposições
não podem estar dizendo exatamente a mesma coisa. Podemos, ainda, tentar a
análise nos seguintes termos:
(3) O ministro da Fazenda assinou um acordo com o FMI.
Mas o ministro da Fazenda também não é o Brasil, ainda que possa ser
o representante do Brasil. Assim, ainda que a frase analisada diga mais ou menos a
mesma coisa, ela não diz exatamente a mesma coisa. A análise não consegue
decompor, de modo adequado, os termos complexos. E como os filósofos queriam, justamente,
evitar as inadequações e as confusões que a linguagem pudesse oferecer, passaram a não
levar mais em conta o pressuposto metafísico que, em última análise, justificava esse
procedimento de reduzir os termos mais complexos aos mais fundamentais. Os conceitos
fundamentais estavam relacionados aos indivíduos existentes no mundo. A cada proposição
simples, que Russell chamava de proposição atômica, correspondia um fato simples, o
fato atômico. A esse modo de ver as coisas se dá o nome de atomismo lógico. Ao
abandonar o pressuposto metafísico, os filósofos empenharam-se na construção de
linguagens formais cada vez mais rigorosas. Essa mudança na concepção de análise
constitui o momento seguinte.
(....)"
(ANTONIO REZENDE, In: Curso de Filosofia, 8ª edição,
Jorge Zahar Editor/SEAF, 1998, p. 204/7)
O mesmo exercício de análise pode, deve e foi efetivado por ocasião
da redação da exordial, restando em lógica jurídica paraconsistente a
aplicabilidade da taxa de juros reais de doze por cento ao ano interna corporis,
para as pessoas jurídicas de direito público poítico administrativas na República
Federativa do Brasil.
Nesse contexto analítico, com as ilustrações supra, restam
claras e precisas a plausibilidade e razoabilidade desta actio popularis,
bastando render a expressão raciocínio lógico jurídico paradoxal usada na exordial
e Apelação para raciocínio lógico jurídico paraconsistente. Por
"paraconsistências" são consideradas as situações de fato e/ou de direito
nos quais a lógica tradicional se revela inadequada, conforme exemplificações de NEWTON
C. A. DA COSTA, in verbis:
"3.3 LÓGICA PARACONSISTENTE MODELANDO O CONHECIMENTO HUMANO
No mundo em que vivemos é comum depararmos com inconsistências em
nosso cotidiano. Para simplificar o entendimento da proposta e o significado da lógica
paraconsistente, realçando a importância de sua aplicação em situações em que a
lógica clássica é incapaz de gerar bons resultados, são discutidos nessa seção
alguns exemplos.
Em todos os exemplos que serão apresentados, as situações de
insonsistências e as indefinições estão presentes. O objetivo é mostrar que a lógica
paraconsistente pode ser aplicada para modelar conhecimentos por meio de procura de
evidências, de tal forma que os resultados obtidos são aproximados do raciocínio
humano.
Exemplo 1: Numa reunião de condomínio, para decidir uma
reforma no prédio, nem sempre as opiniões dos condôminos são unânimes. Se sempre
houvesse unanimidade, isso facilitaria muito a decisão do síndico. Alguns querem a
reforma, outras não, gerando contradições. Outros nem mesmo têm opinião formada,
gerando indefinições. A análise detalhada de todas as opiniões, contraditórias,
indefinidas, contra e a favor, pode originar buscas de outras informações para gerar uma
decisão de aceitação ou não da reforma do prédio. A decisão tomada vai ser baseada
nas evidências trazidas pelas diferentes opiniões.
Exemplo 2: Um administrador, chefe de uma equipe, que tem a
missão de promover um de seus funcionários, deve avaliar várias informações antes de
deferir o pedido. As informações provavelmente virão de várias fontes: departamento
pessoal, chefia direta, colegas de trabalho etc. É de se prever que essas informações
vindas de várias fontes podem ser conflitantes, imprecisas, totalmente favoráveis ou
ainda totalmente contrárias. Compete ao administrador a análise dessas múltiplas
informações para tomar uma decisão de deferimento ou indeferimento. Com todas as
informações o administrador pode ainda considerar as informações insuficientes ou
então totalmente contraditórias; nesse caso, novas informações deverão ser buscadas.
Como foi visto nos dois exemplos anteriores, a principal
característica do comportamento humano é tomar decisões conforme os estímulos
recebidos provenientes das variações de seu meio ambiente. Na realidade, as variações
das condições ambientais são muitas e, às vezes, inesperadas, resultando em estímulos
quase sempre contraditórios. Em face disso, é necessária a utilização de uma lógica
que contemple todas essas variações e não apenas duas, como faz a lógica tradicional
ou clássica. Portanto, fica claro que há algumas situações em que a lógica clássica
é incapaz de tratar adequadamente os sinais lógicos envolvidos. É nesses casos que os
circuitos e sistemas computacionais lógicos, que utilizam a lógica binária, ficam
impossibilitados de qualquer ação e não podem ser aplicados. Por conseguinte,
necessitamos buscar sistemas lógicos em que se permita manipular diretamente toda essa
faixa de informações e assim descreva não um mundo binário, mas real.
Exemplo 3: Um operário que atravessa uma sala para realizar
determinado serviço em uma indústria pode ter seus óculos inesperadamente embaçados
pela poluição ou pelo vapor. Sua atitude mais provável é parar e fazer a limpeza em
suas lentes para depois seguir em frente. Esse é um caso típico de indefinição nas
informações. O operário foi impedido de avançar por falta de informações oriundas de
seus sensores da visão sobre o ambiente. Por outro lado, o operário pode, ao atravessar
a sala na obscuridade, deparar com uma porta de vidro que emita reflexo da luz ambiental,
confundindo sua passagem pelo ambiente. Esse é um caso típico de inconsistência, porque
as informações foram detectadas por seus sensores da visão com duplo sentido. O
comportamento normal do operário é parar, olhar mais atentamente. Caso seja necessário,
deve modificar o ângulo de visão, deslocando-se de lado para diminuir o efeito
reflexivo; somente quando tiver certeza, vai desviar da porta de vidro e seguir em frente.
Exemplo 4: Um quarto exemplo em que aparecem situações
contraditórias e indeterminadas pode ser descrito do seguinte modo:
Uma pessoa que está prestes a atravessar uma região pantanosa recebe
uma informação visual de que o solo é firme. Essa informação tem como base a
aparência da vegetação rasteira a sua frente. Essa informação, vinda de seus sensores
da visão, dá um grau de crença elevado à afirmativa: "pode pisar o solo
sem perigo". Não obstante, com o auxílio de um pequeno galho de árvore, testa
a dureza do solo e verifica que o mesmo não é tão firme como parecia.
Nesse exemplo, o teste com os sensores do tato indicou um grau de crença
menor do que o obtido pelos sensores da visão. Podemos atribuir arbitrariamente um valor
médio de grau de crença da afirmativa: "pode pisar o solo sem perigo".
Essas duas informações constituem um grau de conflito que faria a
pessoa ficar com certa dúvida, quanto à decisão de avançar ou não. A atitude mais
óbvia a tomar é procurar novas informações ou evidências que podem aumentar ou
diminuir o valor do grau de crença que foi atribuído às duas primeiras
medições. A procura de novas evidências, como efetuar novos testes com o galho, jogar
uma pedra etc., vai fazer variar o valor do grau de credibilidade. Percebendo que as
informações ainda não são suficientes, portanto consideradas indefinidas, é provável
que essa pessoa vá avançar com cautela e fazer novas medições, buscando outras
evidências que a ajudem na tomada de decisão. A conclusão dessas novas medições pode
ser um aumento no valor do grau de credibilidade para 100%, o que faria avançar com toda
confiança, sem nenhum temor. Por outro lado, a conclusão pode ser uma diminuição no
valor do grau de credibilidade, obrigando-a a procurar outro caminho.
A lógica paraconsistente pode modelar o comportamento humano
apresentado nesses exemplos e assim ser aplicada em sistemas de controle, porque se
apresenta mais completa e mais adequada para tratar situações reais, com possibilidades
de, além de tratar inconsistências, também contemplar a indefinição."
(in Lógica Paraconsistente Aplicada, em co-autoria de JAIR
MINORO ABE, JOÃO I. DA SILVA, AFRÂNIO CARLOS MUROLO e CASEMIRO FERNANDO S. LEITE, Atlas,
1999, p. 37/9)
A lógica paraconsistente supra exemplificada é muito
importante para o oportuno e conveniente desenvolvimento do Direito, conforme ensina
CLAUDIA MARIA BARBOSA, in verbis:
"[5] A contribuição da lógica paraconsistente
A lógica deôntica é uma das muitas lógicas desenvolvidas a
partir da lógica clássica, sendo considerada uma lógica complementar a esta. De um
lado, porque observa as principais regras de inferência que caracterizam a lógica
clássica, quais sejam, as chamadas Leis do Pensamento; de outro lado, porque os
operadores de que se utilizam (obrigatório, proibido, permitido), permitem uma maior
capacidade de expressão do que aqueles baseados unicamente na lógica tradicional.
As lógicas complementares alargam o âmbito de aplicação da lógica
clássica. Os operadores que utilizam modificam o aparato lingüístico sob o ponto de
vista sintático, embora não alterem nada de essencial do ponto de vista semântico.
Também neste âmbito, as modificações são suplementares e visam
tão somente a maior adequação às relações sintáticas expressas pelos novos
operadores.
Ao lado dos sistemas lógicos complementares à lógica clássica, há
os chamados sistemas divergentes, rivais daquela, como aqueles denominados sistemas
lógicos paraconsistentes, os quais tem sido desenvolvidos com o propósito de substituir
os sistemas clássicos em determinadas situações, onde a lógica clássica tem se
mostrado insuficiente.
Algumas dessas lógicas paraconsistentes - as mais conhecidas -
distinguem-se da lógica clássica exatamente por derrogarem pelo menos um de seus
princípio (sic), os quais indicou-se anteriormente por Leis de Pensamento.
A primeira destas lógicas heterodoxas denomina-se lógica
não-reflexiva, e caracteriza-se por colocar em cheque o princípio da identidade.
Uma segunda lógica é a denominada paracompleta; nesta, a lei do
terceiro excluído é derrogada, admitindo-se Conseqüentemente que duas proposições
contraditórias, A e ~A sejam ambas falsas.
Ao lado destes sistemas paracompletos, há as lógicas
paraconsistentes, cuja base é a derrogação do princípio da contradição.
Um sistema lógico estruturado conforme o princípio da contradição
afirma de duas proposições A e ~A que, se uma for verdadeira, a outra é falsa.
No esquema exposto por Newton DA COSTA, uma teoria dedutiva T, cuja
linguagem contenha um símbolo para a negação, é dita inconsistente se o conjunto de
seus teoremas contém ao menos dois deles, um dos quais sendo a negação do outro. Sendo
A e ~A tais teoremas, ambos integrantes de um mesmo sistema lógico, apresenta uma
contradição. A teoria T chama-se trivial (ou supercompleta) se todas as proposições
formuláveis em sua linguagem forem teoremas de T, ou dito de outra forma, se tudo o que
puder ser expresso na linguagem T puder ser provado em T.
Inconsistência e trivialidade não significam a mesma coisa, mas no
âmbito da lógica clássica são considerados conceitos equivalentes, uma vez que um
deles implica o outro.
Assim a presença de uma contradição trivializa T, ou seja, se em um
único sistema de lógica clássica forem derivadas duas sentenças, uma das quais sendo a
negação da outra, então qualquer sentença exprimível na linguagem T pode ser derivada
em T.
Dito de outra forma, nas lógicas ditas clássicas, em geral, é
válido o princípio ex falso sequitur quod libet, formalmente expresso pela
fórmula (A & ~A) - > B, que indica que "de uma falsidade, tudo se
segue". Ou, tomando-se em consideração a idéia da contradição, "de uma
contradição, qualquer coisa pode ser concluída".
Se tudo se pode concluir de uma falsidade ou de uma contradição,
pode-se provar qualquer coisa, e será impossível distinguir o falso do verdadeiro, de
forma que, desde o ponto de vista da lógica clássica, um sistema trivial é inútil,
porque se a partir dele tudo se pode afirmar, ele não acrescenta nenhuma informação.
As lógicas paraconsistentes buscam obstaculizar essa implicação
entre inconsistência e trivialidade, de forma que em um sistema se possam admitir
determinadas contradições sem que com isso se "contamine" o sistema como um
todo. São portanto sistemas lógicos capazes de fundamentar teorias inconsistentes e não
triviais. Assim, admite-se proposições contraditórias sem que por isso o sistema perca
seu valor científico.
Em um artigo denominado Normative Logics, Morality and Law,
Leila Zardo PUGA, Newton da COSTA e Roberto VERNENGO partem de duas constatações que por
si só, defendem eles, justificam a utilização de sistemas lógicos paraconsistentes no
direito.
De um lado, entendem que em sua grande maioria, os corpus
normativos legais, que compõem em grande parte o arcabouço legislativo de direito
contemporâneo, contêm normas que implicam contradições; por exemplo, uma mesma ação
é regulada como obrigatória e, ao mesmo tempo, como proibida. Ou então, em certas
circunstâncias, uma mesma ação é de um lado caracterizada como obrigatória e ao mesmo
tempo como não devida (proibida).
Estas circunstâncias ficam mais evidentes quando está-se frente a
dilemas deônticos, caracterizados quando uma pessoa deve cumprir uma ação que ela, ao
mesmo tempo, não está obrigada a desempenhar.
Assim, por exemplo, no caso de aborto espontâneo, particularmente
quando o feto e a mãe competem pela sobrevivência, isto é, quando apenas um deles
poderá sobreviver. Está-se diante de um dilema moral, e estes normalmente ensejam
conflitos normativos que um ordenamento comumente não consegue resolver.
A segunda aplicação vislumbrada pelos autores citados diz respeito
às lacunas legais e aos muitos conceitos vagos e ambíguos de que se utiliza o direito -
e não só ele - na definição de seus conceitos legais.
Em diferentes circunstâncias em que se utiliza um mesmo signo
lingüístico, este adquire diferentes conotações em função de se (sic) uso, das
situações em que é definido, e assim por diante. Sistemas formalizados neste caso
apresentariam a vantagem de contar com a precisão dos componentes do sistema e dos
operadores, formalmente traduzidos, com a vantagem de que, no sistema lógico
paraconsistente, a admissão de uma contradição não faz desmoronar todo o sistema.
Como já foi explicitado, a lógica clássica, e mesmo a lógica
deôntica complementar a esta, não admite contradições sem que com isso todo o sistema
entre em colapso. Dito de outra forma, a lógica clássica não abarca e tampouco admite
contradições que, consideram estes autores, são imanentes entre outras, ao direito e à
moral.
Nesse contexto é que se considera a utilidade das lógicas
paraconsistentes, e especialmente no caso do direito, a lógica deôntica paraconsistente,
que, embora ainda formalmente incipiente, busca justamente a elaboração de sistemas
lógicos que admitam contradições, sem que dessa assunção decorra a trivialidade do
sistema como um todo.
De fato, hoje admite-se que o direito abarca contradições, mas, de
formas variadas, diversos pensadores vem relativizando estes "problemas"
utilizando-se de conceitos variáveis de sistema, de unidade do ordenamento, e da própria
completude do direito.
Admite-se que a coerência é propriedade não do ordenamento como um
todo, mas de suas diversas partes (Tércio FERRAZ JR. Norberto BOBBIO).
Nesse contexto, o desenvolvimento de sistemas deônticos
paraconsistentes pode ser de grande utilidade porque através da formalização torna-se
mais fácil identificar a existência de paradoxos e enunciados que implicam sentenças
contraditórias, as quais a utilização da linguagem natural, por suas limitações, não
revela.
Observa-se que se fala em pluralidade de sistemas lógicos
paraconsistentes. Isto porque, como não há no estudo da lógica deôntica um único
sistema capaz de explicar e formalizar todo o direito, da mesma forma ocorre com as
lógicas paraconsistentes. Não há apenas uma, e tampouco as lógicas paracompletas e
não-reflexivas expressam a totalidade das lógicas heterodoxas.
A discussão quanto ao objeto, à função e distinção das normas e
das proposições normativas, suas estrutura, a possibilidade de aplicação dos
princípio (sic) lógicos às normas, e sua adequada formalização, também estão
presentes quando se tem em conta a perspectiva da formalização de um sistema lógico
paraconsistente.
Também aqui se discutem os operadores que compõe a lógica deôntica,
e a perspectiva de uma lógica multivalorativa que proponha outros valores além do
verdadeiro ou falso, ou mesmo do válido ou inválido, conforme o caso.
A premissa que une as diversas propostas que já apareceram e que
continuam a surgir neste campo, é a possibilidade de construção de uma lógica onde
admita-se a existência de contradição sem que com isso o sistema perca sua utilidade.
Dito de outra forma, uma lógica inconsistente, mas não trivial.
É nesse sentido que pode estar se abrindo um novo caminho para que
(sic) o direito, mesmo com contradições e lacunas que traduzem a própria complexidade
das relações sociais. Nessa perspectiva, a lógica deôntica paraconsistente passa a ser
instrumento importantíssimo de análise do próprio direito e da ciência
jurídica." (in PARADOXOS DA AUTO-OBSERVAÇÃO - PERCURSOS DA TEORIA JURÍDICA
CONTEMPORÂNEA, organizado por LEONEL SEVERO ROCHA, JM Editora, Curitiba, 1997, p. 89/92)
A lógica paraconsistente, na teoria e na prática supra
exemplificadas, repercute na metodologia científica também do Direito Administrativo, ao
conferir estruturas lógicas novas aos seus métodos, conforme ensina JOSÉ CRETELLA
JÚNIOR, in verbis:
"Capítulo XV
METODOLOGIA DO DIREITO ADMINISTRATIVO
127. O problema do método
O direito administrativo utiliza-se de método próprio,
para a estrutura de seus institutos.
Método é o caminho que o espírito humano percorre para
atingir o objeto. É o conjunto de regras que disciplinam a razão,
orientando-a para o conhecimento da verdade.
O procedimento metódico, que se contrapõe ao casual, conduz
o sujeito cognoscente ao objetivo visado, evitando-se desse modo a tentativa
assistemática, o caminho inadequado, que acarreta inútil perda de tempo e afastamento
progressivo da verdade, podendo ser o método comparado a um mapa preciso que
indica a verdadeira rota, sem divagações, levando dentro de pouco à identificação dos
termos do binômio sujeito-objeto, ao contrário da indefinida informação oral, dada por
um leigo, que apenas por coincidência guiará o caminhante ao ponto exato que pretende
alcançar.
Cada ciência pesquisa as características de determinado tipo de
objeto (aspecto formal), havendo muitas ciências que consideram o mesmo objeto (aspecto
material), sendo o primeiro aspecto - o formal - que torna diferente uma ciência de
outra.
Cabe à metodologia investigar e descobrir qual dentre os
vários processos racionais é peculiar a uma dada ciência. Assim, Metodologia é
a ciência que descobre o método com que cada ciência deve trabalhar para atingir seu
objeto. É a ciência da seleção do método adequado.
Assim como nas ciências físico-naturais há um caminho que se adapta
aos objetos do mundo físico (objetos naturais), também nas ciências jurídicas e
sociais existem categorias especiais de métodos que se flexionam ao mundo cultural em que
outros objetos se movimentam. E, do mesmo modo que, na maioria das vezes, não é
indiferente a escolha de via terrestre, marítima ou aérea, para chegar a determinado
tempo, inacessível, a uma das vias indicadas, no mundo das ciências é preciso também
descobrir quais as rotas mais compatíveis para a apreensão dos diferentes objetos.
Que tipo de objeto é o direito? Que método ou caminho
deve ser empregado para captá-lo do mundo mais completo possível?
Tais indagações competem à filosofia do direito, que auxilia os
diversos ramos do direito, na perseguição exata e completa de seus respectivos objetos.
Depende de duas circunstâncias a eleição do método em
questão: do fim que se pretende alcançar e da natureza da disciplina a que
deve aplicar-se.
Teoricamente falando e levando-se em consideração os diferentes
momentos do trabalho científico, admitem os métodos, em geral, uma tríplice
classificação: a) métodos de pesquisa; b) métodos de
sistematização; c) métodos de exposição.
Os métodos de pesquisa dirigem-se aos objetos para depois
receber formalização em juízos certos ou prováveis.
Os métodos de sistematização e os de exposição
trabalham com os resultados alcançados pelos primeiros, contribuindo para divulgá-los.
Há muitas outras espécies de métodos, como os discursivos ou
de inferência mediata e os intuitivos ou de inferência imediata.
Consiste o método discursivo numa série de esforços
sucessivos em torno do objeto para envolvê-lo, mediante uma série de proposições que
se encadeiam, progressivamente.
Consiste o método intuitivo em operação integral, única e
indivisa do espírito, que se projeta sobre o objeto e o domina, abrangendo-o numa
panvisão, sem que nada - nenhuma proposição, nenhum juízo - se interponha entre o
sujeito cognoscente e o objeto cognoscível.
O método discursivo compreende não só a dedução, que parte
de uma verdade ou princípio geral e chega a uma verdade individual e limitada, havendo,
pois, uma espécie de descida entre um princípio e uma conclusão verdadeira, como
também a indução, que segue o caminho inverso, partindo do caso particular para
consubstanciar-se em um princípio geral. Divide-se a indução em aristotélica e baconiana.
Os métodos de inferência imediata estão reunidos sob o
título genérico de métodos intuitivos.
Intuição, em sentido lato, é a "visão direta do objeto
pelo sujeito", é o "contato integral e imediato dos dois termos do binômio
sujeito-objeto", a tal ponto que, nada se colocando de permeio entre ambos, é
possível a mais perfeita identificação de quem procura com o objetivo procurado.
A intuição pode ser sensível e espiritual,
compreendendo esta última, a intelectual, a emotiva e a volitiva.
Há ainda várias outras modalidades de intuições: a de Bergson, a de Husserl.
Por esta simples apresentação não é difícil concluir como é
complexo, em filosofia, o problema do método e da metodologia."
(in CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO - DE ACORDO COM A
CONSTITUIÇÃO VIGENTE, Forense, 15ª ed. p. 175/7)
A administração da Justiça à nulidade administrativa complexa que
representa a contratação de empréstimos ativos e/ou passivos com taxa de juros reais
superiores a doze por cento ao ano, conforme mandamento constitucional passa, assim, pelo
contexto da Reforma do Estado e Administração Pública Gerencial, em doutrina de
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, in verbis:
"Vivemos hoje nem cenário global que traz novos desafios às
sociedades e aos Estados nacionais. Não é nenhuma novidade dizer que estamos numa fase
de reorganização tanto do sistema econômico, como também do próprio sistema político
mundial. Como conseqüência desse fenômeno, impõe-se a reorganização dos Estados
nacionais, para que eles possam fazer frente a esses desafios que estão presentes na
conjuntura atual.
É imperativo fazer uma reflexão a um tempo realista e criativa sobre
os riscos e as oportunidades do processo de globalização, pois somente assim será
possível transformar o Estado de tal maneira que ele se adapte às novas demandas do
mundo contemporâneo. É esse - creio - o objetivo precípuo deste seminário. Trata-se de
exercício do qual nenhum governo deve - e nem pode - furtar-se, sob pena de comprometer
as perspectivas nacionais de desenvolvimento.
Reformar o Estado não significa desmantelá-lo. Pelo contrário, a
reforma jamais poderia significar uma desorganização do sistema administrativo e do
sistema político de decisões e, muito menos, é claro, levar à diminuição da
capacidade regulatória do Estado, ou ainda, à diminuição do seu poder de liderar o
processo de mudanças, definindo o seu rumo.
Mudar o Estado significa, antes de tudo, abandonar visões do passado
de um Estado assistencialista e paternalista, de um Estado que, por força de
circunstâncias, concentrava-se em larga medida na ação direta para a produção de bens
e de serviços. Hoje, todos sabemos que a produção de bens e serviços pode e deve ser
transferida à sociedade, à iniciativa privada, com grande eficiência e com menor custo
para o consumidor.
Insisto, assim, em um ponto: esta visão de um Estado que se adapta
para poder enfrentar os desafios de um mundo contemporâneo não pode ser confundida nem
com a inexistência de um Estado competente, eficaz, capaz de dar rumo à sociedade ou,
pelo menos, de acolher aqueles rumos que a sociedade propõe e que requerem uma ação
administrativa e política mais conseqüente, nem tampouco significar a inércia diante de
um aparelho estatal construído em outro momento da história de cada um dos nossos
países que se concentrou seja no corporativismo e no assistencialismo, seja na produção
direta de bens e de serviços.
Não há dúvida de que, nos dias de hoje, além desse papel de
iluminar os caminhos nacionais e, de certa maneira, de apontar metas que sejam
compatíveis com os desejos da sociedade, o Estado deve também concentrar-se na
prestação de serviços básicos à população - educação, saúde, segurança,
saneamento, entre outros.
Mas, para bem realizar essa tarefa - que é ingente e difícil -, para
efetivamente ser capaz de atender às demandas crescentes da sociedade, é preciso que o
Estado de reorganize e para isso é necessário adotar critérios de gestão capazes de
reduzir custos, buscar maior articulação com a sociedade, definir prioridades
democraticamente e cobrar resultados.
Muitos confundem a reforma do aparelho estatal com um mero
exercício de aprovação pelo Congresso Nacional de diplomas legislativos que desenhem o
Estado com uma face mais competente e mais atuante. É claro que a participação do
Congresso na redefinição do papel do Estado é essencial, até porque muitas dessas
mudanças exigem emendas constitucionais. Mas o verdadeiro processo de redefinição do
Estado para que ele possa realmente atender os seus objetivos contemporâneos é um
processo, não um ato. Envolve toda uma mudança de mentalidade; algo que é muito mais
profundo do que se imagina, porque implica efetivamente a alteração de práticas que
estão enraizadas nas nossas sociedades. E o que é ainda mais difícil de mudar:
práticas enraizadas que cristalizam interesses concretos.
Faço aqui uma ressalva: ao dizer que interesses se cristalizaram,
não estou qualificando este fato, em si mesmo, de negativo. Mas, quando muda uma
conjuntura e esses interesses persistem e não são mais adequados para responder os
desafios da nova época, eles passam a ter um papel politicamente negativo.
Muitas vezes, são interesses que podem ser até altruístas ou
legítimos, vistos de certa perspectiva. Mas quando observamos esses interesses
particulares de uma perspectiva mais ampla, do conjunto da sociedade, vemos que eles não
mais se justificam.
Às vésperas de minha posse, realizamos um grande seminário
internacional, aqui mesmo no Itamarati. Recordo-me de uma discussão a respeito do papel
das organizações não-governamentais e do Estado. No início, essa relação ONG-Estado
era marcada por uma espécie de distanciamento, até mesmo de antagonismo. Havia ataques
de parte a parte e isso levava o aparelho do Estado a ficar cada vez mais voltado para si
mesmo, no intuito de defender a sua visão de como conduzir a coisa pública.
Progressivamente, isso foi mudando. Hoje, para usar a expressão de Manuel Castells,
sociólogo espanhol que eu prezo muito, as organizações verdadeiramente eficientes
deixaram de ser "não-governamentais": passaram a ser
"neogovernamentais". Esta é uma realidade, uma forma de interação que tem que
ser absorvida tanto pelas ONGs quanto pelo Estado.
O Estado tem que se abrir a certas pressões da sociedade, mas a
sociedade também tem que aprender a dialogar com o Estado, de uma maneira que seja
adequada aos objetivos da população. Infelizmente no Brasil, uma parcela pequena, é
verdade, da população não quer o diálogo com o Estado. Quer pura e simplesmente sua
destruição; não admite reconhecer a legitimidade dos governos quando eles são
legítimos e democráticos.
Para avançar nessa interação entre Estado e sociedade é preciso
liderança, é necessário haver um processo progressivo de convencimento. Estou seguro de
que cada um dos participantes deste seminário tem experiências interessantes que
confirmam esse enorme esforço contemporâneo de reconstrução do Estado, buscando criar
novos canais que permitam que a sociedade e a burocracia possam, articuladamente,
dialogar; que permitam que o poder político possa tomar as decisões pertinentes. Porque
numa democracia, em última análise, o poder legítimo é o poder legitimado pelo voto,
pela cidadania. Assim, nem a burocracia em si mesma, nem os grupos da sociedade civil que
não passaram pelo teste das urnas têm legitimidade para liderar a mudança. Eles têm,
isso sim, o dever de preparar a discussão, de pressionar os governantes. Mas a
legitimidade da decisão tem que caber àqueles que são os detentores da vontade popular.
Esta é a essência da democracia; esta é a essência do republicanismo.
Isso significa que nós temos que preparar a nossa administração para
a superação dos modelos burocráticos do passado, de forma a incorporar técnicas
gerenciais que introduzam na cultura do trabalho público as noções indispensáveis de
qualidade, produtividade, resultados, responsabilidade dos funcionários, entre outras.
Estamos vivendo um momento de transição de um modelo de
administração que foi inicialmente assistencialista e patrimonialista (que mais tarde
deu um passo adiante, burocratizando-se, no sentido weberiano da palavra) para um novo
modelo, no qual não basta mais a existência de uma burocracia competente na definição
dos meios para atingir fins. Agora, o que se requer é algo muito mais profundo: um
aparelho do Estado que, além de eficiente, esteja orientado por valores gerados pela
própria sociedade. Um aparelho de Estado capaz de comunicar-se com o público de forma
desimpedida. Essa passagem é um dos grandes desafios do mundo contemporâneo. É uma
transição à qual todos devemos nos dedicar, a fim de reorganizar o aparelho de Estado.
E essa transição não será possível nem viável sem a
participação dos funcionários públicos. Erram aqueles que identificam no funcionalismo
público um foco de resistência à mudança. Eles não podem ser vistos como repositório
do velho, do antigo, do antiquado, do arcaico. Reconheço com satisfação que a
burocracia estatal tem um número expressivo de núcleos de competência e excelência.
É necessário que esses núcleos ganhem força, para que tenham a
capacidade de contagiar o conjunto da administração. Porque a reforma apenas terá
êxito se for sustentada pelas lideranças do serviço público. Não digo as lideranças
sindicais que, infelizmente, estão atreladas às formas mais nocivas de corporativismo,
mas sim as lideranças de mentalidade que querem renover-se, que têm entusiasmo pela
função pública, que têm o sentido de missão, de espírito público.
A reforma tem que ganhar o apoio do funcionalismo. É preciso que o
setor que administra seja parte ativa nessa transformação. E que, como parte ativa desse
processo, os próprios funcionários convençam-se de que é preciso deixar de lado os
resquícios do patrimonialismo, da troca de favores, das vantagens corporativistas, do
servilismo clientelista ao poder político, como ocorre em certas áreas da
administração pública.
Precisamos acabar com a noção de que ser funcionário é ser
privilegiado. O privilégio é servir ao público, à cidadania. E, servindo adequadamente
ao público, ser compensado pela admiração por parte da sociedade. E essa admiração
não pode se esgotar em belas palavras. Deve significar também a valorização das
carreiras do serviço público, melhor remuneração. Mas, como tenho insistido, nada
disso se conquista do dia para a noite. E tampouco podemos dar guarida à manifestação
de interesses corporativos, que não merecem qualquer apoio da população.
A melhoria das condições de trabalho do funcionalismo crescerá com a
estabilização da economia, não com a demagogia daqueles que sonham com a volta da
indexação salarial, que só realimenta a inflação e penaliza os mais pobres. Viver
numa economia estabilizada requer uma outra mentalidade, na qual obviamente os aumentos
têm que estar condicionados à disponibilidade efetiva do orçamento e ao aumento da
produtividade. Não há outra maneira de um país crescer senão aumentando a sua
produtividade, a sua riqueza e, ai sim, simultaneamente, fazendo com que aqueles que são
partícipes da construção da nação possam usufruir de parte crescente desse
benefício, sem prejuízo, obviamente, das taxas necessárias de investimento.
Temos, portanto, um desafio tipicamente iluminista, no sentido que
o termo tem desde o século XVIII: ou se introduzem graus de racionalidade no processo das
reformas e esta racionalidade passa a ser sentida pelos próprios partícipes, que são os
funcionários; ou então a reforma fracassa, porque ela vai ser obstaculizada por pessoas
que pensam que o governo é capaz de fazer milagres, sobretudo no que diz respeito à
remuneração. Se o governo for sério, não fará milagres, nem enganará ninguém.
Temos, assim, outra vez uma batalha, digamos, teórico-prática,
político-ideológica de convencimento e de reorganização das visões de mundo. É
indiscutível, porém, que é preciso haver reformas. É indiscutível que precisamos
revalorizar o trabalho do funcionário público, a própria ação do Estado.
Uma coisa é certa: precisamos de uma reforma profunda do aparelho do
Estado, pois de outra forma não estaremos à altura de enfrentar esse gigantesco
desafio." (in REFORMA DO ESTADO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA GERENCIAL, 2ª ed.
Fundação Getúlio Vargas Editora, pgs. 15/19, negrito meu)
Para concluir esta abordagem terminológica sobre o método e a
evolução científica, mister manter o espírito jurídico aberto para novas percepções
fenomenológicas, pois "O método é tão infinito quanto a própria ciência"
como ensina EUGEN EHRLICH (cf. FUNDAMENTOS DA SOCIOLOGIA DO DIREITO, Unb, 1986, p. 388,
trad. RENÉ ERNANI GERTZ), e "Talvez seria melhor limitarmo-nos a conceber esta
maneira particular do pensamento jurídico como um estilo deste pensamento, que constitui
uma individualidade cultural da caráter próprio. Este estilo foi se formando no curso de
séculos e foi acentuado, às vezes mais, às vezes menos. Com o termo "estilo"
já estaria dito que não se pode separar este caráter do conteúdo, do pensamento, que
é efetivamente a maneira na qual este pensamento é exercitado em nossa comunidade
cultural. Entra-se neste estilo como que crescendo para dentro dele e a formação
jurídica é um conhecido testemunho como sucede este crescer para dentro. Este estilo se
situaria numa íntima relação de troca com as correntes fundamentais políticas,
espirituais e científicas de cada época, incorporando e elaborando os momentos mais
fortes destas correntes fundamentais. Este estilo não seria, portanto, algo apriórico,
mas parte da cultura global de um contexto jurídico, assim como o direito mesmo também
é apenas parte desta cultura. Pode-se, portanto, aceitar sem mais que em outros contextos
jurídicos se formou um outro estilo de trabalho jurídico e de pensamento jurídico, sem
que, no entanto, se tenha que tentar relacionar os estilos ou harmonizá-los de alguma
maneira entre si. Tais tentativas também não se fariam em relação com a história de
povos individuais e seus contextos culturais.", como ensina JAN SCHAPP (cf. PROBLEMAS
FUNDAMENTAIS DA METODOLOGIA JURÍDICA, Sergio Antonio Fabris Editor, Porto Alegre, 1985,
trad. ERNILDO STEIN).
Do ilustrado, requeiro o regular andamento do popular apelo.
São Paulo, 18 de setembro de 2000.
179º da Independência e 112º da República.
Carlos Perin Filho
OAB-SP 109.649
E.T.:
1º) Nome e assinaturas não conferem frente aos documentos
apresentados com exordial em função da reconfiguração de direito em andamento, nos
termos da Ação Popular nº 98.0050468-0, 11ª Vara Federal de São Paulo, ora em grau de
Apelação, sob a relatoria do Desembargador Federal ANDRADE MARTINS - Quarta Turma -
deste Egrégio Tribunal, em autos sob nº 2000.03.99.030541-5.
2º) Em lógica jurídica paraconsistente, a petição de 08/10/1998 -
sob protocolo 070903 - reflete a Autoridade Pública que expressa a vontade - ou não - da
pessoa jurídica de direito público político administrativa, que sofre de fato e de
direito as conseqüências daquela, razões pelas quais a expressão
substituindo é usada em sentido amplo, paraconsistentemente significando
alternação em função daquele detalhe técnico supra referido, restando o pólo passivo
desta actio popularis composta pela União Federal, que congrega Todas(as) as
demais, e Banco Central do Brasil, por seu Conselho que define a Política Monetária.
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