NIETZSCHE, Transvaloração de todos os valores e Você Cidadania

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O caderno mais! do jornal Folha de S. Paulo de 06/08/2000 publica uma série de artigos e depoimentos de BENEDITO NUNES, ROBERTO ROMANO, OSWALDO GIACOIA JR., SCARLETT MARTON, PETER PÁL PELBART, CLEMENT ROSSET e PAULO CÉSAR DE SOUZA sobre FRIEDRICH NIETZSCHE.

De PAULO CÉSAR DE SOUZA é destacado o seguinte parágrafo, in verbis:

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Nos cem anos desde sua morte, Nietzsche foi adotado por variadas correntes intelectuais, artísticas e políticas: expressionistas, futuristas, existencialistas, psicanalistas, socialistas, fascistas e anarquistas reivindicam sua herança - sobretudo na Europa que ele nunca deixou e sobre a qual refletiu apaixonadamente. Ele sabia que ela não passa de ‘uma península da Ásia’, mas também que é a matriz do saber nesta Terra, para o bem e para o mal. Em ‘Humano, Demasiado Humano’ ele prevê a unificação européia, na mesma página em que saúda a contribuição dos judeus à Europa. Cada época tem seu Nietzsche, enfatiza algo de seu imenso e contraditório legado. Se a Europa está realmente se unindo, enquanto as minorias aumentam e se multiplicam no seu interior, podemos escolher esse Nietzsche - esse que prega a mistura e a aliança. É aquele que, numa carta a sua mãe, declarou: ‘Embora eu talvez seja um mau alemão, certamente sou um bom europeu’." (p. 11)

De OSWALDO GIACOIA JUNIOR são destacados os seguintes parágrafos, in verbis:

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Provocações de fachada Nunca lhe faltou consciência da proscrição a que se autocondenava: ‘Vá embora dessa cidade, oh Zaratustra... Muitos são os que aqui te odeiam. Odeiam-te os bons e justos, eles te consideram seu inimigo e desprezador; odeiam-te os crentes da justa fé e consideram-te o perigo da multidão’. Com efeito, odiamos quem se obstina em manter presente a nossos olhos a mesquinhez que nos esforçamos por ocultar. Por essa razão, a dissonância das fórmulas é uma tentativa desesperada de alerta e um chamamento ao exercício da crítica radical.

O infinito cortejo de mal-entendidos sobre Nietzsche tem origem não somente em seu estilo literário, mas também na estratégia retórica de sua filosofia. Nela as máscaras, a pele, a superfície desempenham um papel fundamental. Como provocações, elas são, antes de tudo, fachadas. Por um lado, despertam, exigem a atenção pelo cinismo petulante; por outro, ofuscam o juízo apressado, velando o íntimo sagrado de sua filosofia, e têm a missão de manter afastado dali todo aquele que é incapaz de probidade intelectual. O leitor, porém, que renuncia ao papel de filisteu moralmente indignado ou de donzela pudica ultrajada pelo escárnio de certas formulações, pode caminhar um pouco com Nietzsche e entender por que ele se faz vivamente presente como nosso valoroso companheiro de viagem.

Seus escritos são, em verdade, uma escola de emancipação do pensamento. Como se inscreve no subtítulo de ‘Assim Falou Zaratustra’, suas obras são para todos e para ninguém. Para todos, porque a filosofia de Nietzsche não se condena a um hermetismo léxico de iniciados, mas se apresenta numa profusão de estilos, que desconcerta e encanta. Para ninguém, pois é difícil atravessar as fachadas deslumbrantes, não ceder às provocações ruidosas, para só então penetrar no âmago silencioso das trágicas vivências que estão na base dessa filosofia.

É aqui que somos confrontados com o que Nietzsche mais preza e cultua: a autenticidade de um si mesmo. É para isso que ele nos concita: a que nos afastemos das unanimidades cômodas, pacificadas e estúpidas, pois filosofar é, para Nietzsche, assumir a responsabilidade de pensar por si mesmo, transformar em luz e espírito o sangue de nossas paixões e sofrimentos terríveis.

Nietzsche foi, na verdade, o mais radical adversário do rebaixamento do homem, da uniformização gregária promovida pela sociedade de massas surgida com a revolução industrial. Com uma força profética impressionante, ele antecipou os perigos da desertificação do espírito, quando a cultura se torno mercadoria e a paciência do conceito cede o passo ao frenesi sensacionalista da indústria cultural. Ao chocar, a escrita de Nietzsche pretende proteger sua intimidade, manter fora do alcance de mãos grosseiras seu núcleo espiritual frágil e delicado. Quem apenas se deixa seduzir pelo fascínio das metáforas, ou demasiadamente rápido se arvora em guardião da ortodoxia, fica paralisado pelo sortilégio do disfarce, aceita, no mau sentido, a provocação. Em ambos os casos, ainda não ascendeu à tarefa de um tipo de pensamento que não tem compromisso senão com a autenticidade. É unicamente para lá que Nietzsche, sem pressa, pretende conduzir seu leitor.

(....)" (in p. 14)

VERA PORTOCARRERO oferece uma apresentação e considerações também interessantes sobre NIETZSCHE, in verbis:

"1. Apresentação

Nietzsche mostra-nos um caminho crucial para a filosofia. Sua abordagem pouco convencional e bastante desconcertante de temas clássicos, como a verdade, a política, a moral, nos dá a dimensão de uma crítica realmente radical de todos os valores discutidos pela filosofia tradicional.

Parece-nos difícil, e até desnecessário, classificar o pensamento nietzscheano, pois ele não busca a formulação de um ‘sistema teórico’, mas a ‘experiência estética de vida’, afirmada como superior ao pensamento conceitual. Tal posicionamento supõe uma crítica ao conhecimento racional, à sua supervalorização própria das sociedades ocidentais modernas.

Sua argumentação não deve ser compreendida como a descoberta de uma outra verdade, conforme poderíamos imaginar, para substituir ‘a crença’ da verdade por ele rejeitada.

A questão da verdade, em Nietzsche, coloca-se do ponto de vista da vida, da afirmação de todos os instintos. Ele procede inicialmente à inversão dos valores tradicionais, isto é, denúncia da verdade como mentira e reivindicação da aparência como única realidade. Contudo, sua crítica é radicalizada até as últimas conseqüências, até a rejeição de todos os valores, isto é, superação da oposição metafísica dos valores que lhe permitiu efetuar a ‘transvalorização de todos os valores’.

Dessa forma, suas afirmações devem ser tomadas como um ‘instrumento’, uma ‘perspectiva estratégica’, que serve para balizar as possíveis interpretações de mundo, e não como uma Verdade.

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Considerações finais

O pensamento de Nietzsche encontrou e encontra, hoje, muitas apreciações negativas, mas também adeptos. Suas idéias infiltraram-se, pouco a pouco, pela Europa, apesar de sofrerem pesadas acusações de servirem à fundamentação em favor do anti-semitismo, do antifeminismo e de preconceitos nacionalistas propagados durante a guerra. Trata-se de uma decorrência da apropriação tendenciosa de sua obra por parte de interessados, e da leitura apressada e incompleta de seus textos, que levou à má compreensão da noção do ‘super-homem’, do ‘Anticristo’, e dos ditos sobre a mulher.

No Brasil, o pensamento de Nietzsche foi introduzido, a partir de 1946, com o ensaio publicado no Diário de São Paulo pelo crítico literário Antônio Cândido de Mello e Souza, que se empenhou em acabar com tais preconceitos, tão propagados, sobretudo, nos meios feministas e de esquerda.

Podemos dizer que a filosofia não pode mais deixar de levar em conta o projeto filosófico de Nietzsche, de que viveu e vive, ainda, grande parte do pensamento moderno." (in CURSO DE FILOSOFIA, Jorge Zahar/SEAF, 8ª ed. 1998, org. ANTONIO REZENDE, p. 184/93)

Pergunta: O que Você Cidadania tem com NIETZSCHE?

Resposta: Aparentemente nada, pois os(as) Filósofos(as) falam uma língua complicada que é quase tão obscura e cheia de significados aparentemente contraditórios quanto aquela usada por Advogados(as), mas tem, e muito, como demonstra o filosofar de MIGUEL REALE, in verbis:

"IX
A CIVILIZAÇÃO DO ORGASMO

(....)

Se, no fundo, somos o que escolhemos e decidimos, e se as escolhas e decisões tomadas pela imensa maioria das pessoas, no mundo atual, se acha subordinada a programas de vida impostos por forças extrínsecas à sua subjetividade, condicionadas que estão pela rede poderosamente envolvente das informações globais, não se pode afirmar que elas constituem seres integrais e efetivamente livres.

Assim sendo, ao invés do super-homem, proclamado com tanta ênfase pelo gênio de Nietzsche, o que o progresso científico nos proporciona, dada a quebra do suporte ético próprio da subjetividade autônoma, é o sub-homem massificado e uniformizado, ficando submersa e comprometida no bojo da consciência coletiva a consciência individual, sem cuja autonomia e singularidade não há que se falar em ‘ser pessoal’ em sua plenitude. Há, certamente, vida, mas vida em massa, unilateral e mutilada, muito embora com ilusória aparência de integralidade.

(....)

A rigor, os donos das empresas produtoras de espetáculos e programas, bem como das redes de jornais, rádios e televisão que dissiminam pelo mundo, poderiam ser considerados a versão atual do super-homem, o qual, em última análise, foi concebido como um ser a partir do qual tudo começa, um pequeno deus instaurador soberano dos valores a serem vividos pelos ‘sub-homens’ deslumbrados pela fascinação de sua suprema potência, mas é possível que também eles sejam, muito embora sem perceber, prisioneiros do sistema que constituíram, uma vez que o sistema automatizado da informação, como um novo rei Midas, absorve em suas engrenagens todos os que nela ingressam. Nada há de mais trágico do que essa despersonalização global.

(....)

(in PARADIGMAS DA CULTURA CONTEMPORÂNEA, 1ª ed., 1999, www.saraiva.com.br - p. 136/8)

Pergunta: Como evoluir do ‘sub-homem’ para o ‘super-homem’?

Resposta: Procurar a verdade relativa no meio dos extremos absolutos, pois entre o sub e o super o Ser Humano se encontra na arte de viver, fazendo a energia no espaço valer a paraconsistência de ser o seu dever.

Nietzscheanamente,

 

Carlos Perin Filho

 


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